Documento nº 3
Decreto do SNK do RSFSR sobre o "Terror Vermelho"
09/05/1918
O "Conselho dos Comissários do Povo", depois de ouvir o relatório do Presidente da "Comissão Extraordinária da Rússia para a Luta Contra a Contra-Revolução, Exploração e Corrupção" (CHEKA), declara que esta Comissão considera:
que, na atual situação, para garantir a retaguarda [revolucionária], a utilização do terror é uma necessidade direta;
que, a fim de fortalecer a atividade em exercício da CHEKA e para torná-la mais efetiva, é necessário enviar o maior número possível de camaradas responsáveis [para esta organização];
que é necessário para garantir a vitória da República Soviética, isolar os inimigos de classe em campos de concentração;
que todas as pessoas com relações com organizações, conspirações e rebeliões da Guarda Branca estão sujeitas a execução;
que é necessário publicar os nomes de todos os executados, bem como os motivos pelos quais foram aplicados estas medidas a eles.
Assinado:
Comissário Popular da Justiça D. KURSKIY
Comissário do Povo para Assuntos Internos G. PETROVSKY
Gerente do Conselho de Comissários do Povo Vl. BONCH-BRUEVICH
SU. No. 19. Divisão 1. Art. 710. 09/05/18.
The Cheka - Lenin´s Red Terror! English subtitles.
Nos últimos dias, Vladimir Putin e seu governo, junto do complexo da mídia russa estão tentando reescrever a história. Eles resolveram tocar nas feridas da Segunda Guerra Mundial. Feridas que os próprios russos infligiram na Polônia.
Putin afirmou que a União Soviética não foi um agressor na Segunda Guerra Mundial. Ele acusou a Polônia de colaborar com a Alemanha Nazista, além de culpar o início da guerra nas forças aliadas e diminuiu a importância da coalizão da URSS com o Terceiro Reich Alemão.
Inicialmente, pensei que as observações do Putin eram absurdas demais para serem levadas a sério.
No entanto, quando Vyacheslav Volodin, presidente da Duma Federal, acusou a Polônia de colaborar com a Alemanha Nazista, e de ter insinuado o suporte da Polônia às políticas genocidas de Hitler contra os judeus, e ainda por cima exigiu um pedido de desculpas da Polônia, para aplausos do corpo diplomático Russo e da mídia Russa, decidi que a verdade precisa ser dita.
A verdade é que no dia 1 de Setembro de 1939, a Polônia foi invadida pelo oeste pela Alemanha Nazista e no dia 17 de Setembro de 1939 pelo leste pelo aliado dos Nazistas, a "salvadora Rússia".
Esta dupla invasão estava planejada no acordo chamado "Pacto Molotov-Ribbentrop" assinado em 23 de agosto de 1939. O pacto foi, na verdade, muito mais do que um pacto de não-agressão pois continha alguns protocolos secretos. Entre eles um rascunho de como seria a futura Europa Central e a Europa Oriental. De como seriam as esferas de interesse, além da futura divisão e ocupação dos Nazistas e dos Soviéticos da Polônia e do Báltico: Lituânia, Letônia, Estônia, bem como a ataque à Finlândia.
Russia and Germany: non-aggression treaty to be signed
Vamos ver mais detalhadamente as declarações de Putin num recente encontro com líderes da "União Econômica Eurasiática" em São Petersburgo. Putin banalizou a assinatura do "Pacto Molotov-Ribbentrop" alegando que a União Soviética foi a última nação a assinar um pacto de não-agressão com Hitler; além disso o ministro das Relações Exteriores, Sergey Lavrov, alegou que a assinatura do pacto de não-agressão permitiu à URSS melhor se preparar para a guerra.
Putin Rejects Blaming Stalin for Start of World War II
A verdade é que a colaboração da Alemanha com a Rússia Soviética é muito anterior ao "Pacto Molotov-Ribbentrop". Em 1922, no chamado "Tratado de Rapallo" foi normalizada a diplomacia e a relações entre estes dois países. Oficialmente apenas laços econômicos.
No entanto, em segredo, eles estabeleceram uma elaborada cooperação militar. Os exércitos Russo e Alemão secretamente treinaram seus oficiais em conjunto. Os Alemães foram instruídos pelos líderes Bolcheviques, enquanto os Russos foram ensinados pelos futuros Generais do Terceiro Reich. O exército Alemão possuía permissão para usar áreas de treinamento Russas para teste de tecnologia militar e manejo tático.
O tratado de Berlim de 1926 reafirmou o "Tratado de Rapallo" e foi renovado em 1931, ratificado em 1933, já com o recém-formado Terceiro Reich.
O último sinal da proximidade entre Nazistas e Soviéticos veio em Março de 1939 do próprio Stalin. Durante seu discurso no 18º Congresso do Partido que aconteceu poucos meses antes da assinatura do "Pacto Molotov-Ribbentrop", da invasão da Polônia, e do início da Segunda Guerra Mundial.
RELATÓRIO DO XVIII CONGRESSO DO PARTIDO
Eles falam e escrevem diretamente em preto e branco
que os alemães os “decepcionaram cruelmente” porque,
em vez de se avançarem para o leste, contra a União Soviética,
eles se viraram para o oeste e exigem colônias para si.
Você pensaria que os alemães receberam as regiões da
Tchecoslováquia como o preço da obrigação de iniciar
uma guerra com a União Soviética, e os alemães agora se
recusam a pagar a conta, enviando-os para algum lugar distante.
Além disso, duas autoridades Russas acusaram a Polônia de fazer acordos com a Alemanha antes da URSS. A verdade é que, enquanto a Alemanha e a URSS estavam ratificando o "Tratado de Berlim", o diplomata polonês Alfred Wysocki protestou contra a política cada vez mais agressiva da Alemanha advertindo que isto levaria à guerra e que a Polônia estava disposta a se defender.
Em 1934 o ainda muito mais fraco Terceiro Reich foi empurrado a assinar uma declaração de não-agressão por um período de dez anos com a Polônia. Declaração que foi quebrada quando a Alemanha Nazista invadiu a Polônia cinco anos depois.
Putin accuses Poland of colluding with Hitler, anti-Semitism
Putin acusou o embaixador Polonês da Alemanha de anti-semitismo chamando-o de "aquele bastardo porco anti-semita". A verdade é que a declaração do embaixador Jósef Lipsky foi tirada de contexto.
Michael Schudrich, rabino-chefe da Polônia e da "União Polonesa das Comunidades Judaicas" saiu em defesa de Lipsky . A declaração de Schudrich sobre o assunto esclarece a questão:
"Para nós, judeus, é particularmente ultrajante que Putin manipule o tom dos comentários de Lipsky feito numa conversa com Adolf Hitler em 1938. Não se deve esquecer que a Polônia não só apoiou a emigração da sua minoria Judaica (10% da população), mas o fez em cooperação com o movimento Sionista, para quem, ainda por cima, deu suporte militar clandestino.
Ao mesmo tempo, no entanto, em 1938, quando o Terceiro Reich expulsou milhares de Judeus Poloneses, os serviços diplomáticos da Polônia, incluindo o embaixador Lipsky pessoalmente, participaram da ajuda aos Judeus.
Acusar Lipsky de antissemitismo com base numa sentença tirada do contexto é extremamente irresponsável.
Além disso, durante a guerra, Lipsky se alistou como voluntário no exército Polonês e participou da "Batalha de Ancona" em 1944."
Putin Calls Former Polish Ambassador ‘Anti-Semitic Pig’
Oficiais russos alegaram que as tropas Soviéticas não invadiram a Polônia, eles simplesmente entraram em 1939, quando a Polônia já estava derrotada.
A verdade é que 600.000 soldados do poderoso Exército Vermelho invadiram a Polônia sem nenhum aviso prévio, logo nas primeiras horas do dia 17 de setembro; eles acabaram encontrando no seu caminho algumas unidades fronteiriças, como na cidade de Pinsk, na antiga fronteira da Polônia; além de algumas tropas da reserva Polonesa.
Uma das muitas unidades nas fronteiras era a do Jan Bolbott, que como o resto do exército Polonês foi totalmente surpreendido, chocado e em números muito menor, com a invasão Soviética; por quatro dias ele defendeu o seu "bunker".
No seu relatório final, ele escreveu sobre as centenas ou milhares de Russos mortos no campo de batalha; além de milhares que estavam montando o próximo ataque.
Durante o Invasão Soviética, e contra todas as probabilidades, o general Wilhelm Orlik-Rückemann conseguiu derrotar 52º Divisão de Rifles da URSS em Szack (atualmente na Ucrânia); e o General Franciszek Kleeberg derrotou a da 43º Divisão de Rifle da URSS.
A verdade é que os Soviéticos podem dizer qualquer coisa, menos que não tiveram oposição dos Poloneses.
Soldados Poloneses ajudados pelos escoteiros mirins defenderam a cidade de Grodno, enquanto os Soviéticos usavam as crianças Polonesas como escudos para seus tanques.
Ou seja, os Poloneses se defenderam simultaneamente tanto do Wehrmacht (exército Nazista) quanto do Exército Vermelho Soviético, antes de finalmente serem dominados pelos Soviéticos.
Putin alega que Brest-Litovsk foi ocupado pelo Exército Vermelho quando o Alemães tinham expulsados os Poloneses da cidade.
Porém Litovsk é exemplo particularmente relevante já que foi o local da vergonhosa parada militar conjunta entre Nazistas e Soviéticos. Realizada em 22 de setembro de 1939 foi a cerimônia que marcou a retirada das tropas Alemãs para a linha da demarcação concordada no "Pacto Molotov-Ribbentrop"; além da entrega da cidade dominada pelos Nazistas para os Soviéticos.
Enquanto as tropas estavam desfilando, o capitão Polonês Waclaw Radziszewski e seus soldados ainda estavam defendendo um dos fortes da cidade de Brest contra artilharia conjunta do Exército Vermelho Soviético e do Exército Nazista, desistindo da sua posição apenas no dia no dia 26 de Setembro de 1939.
Putin também declarou que a ocupação Soviética da Polônia foi necessária pois o governo Polonês havia perdido controle do país no dia 17 de Setembro. Quando os soviéticos atacaram a Polônia, sem nem mesmo uma declaração formal de guerra, as batalhas contra os Nazistas estavam no seu auge.
A "Batalha de Bzura", a maior das campanhas estava em pleno andamento. Outras como: a "Batalha de Kepa Oksywska", a "Batalha de Hel", a invasão da cidade de Varsóvia (Warsaw), a "Batalha de Lwów" e a "Batalha de Modlin" estavam todas ainda resistindo a invasão Nazista. Quando os Soviéticos invadiram a Polônia, o Poloneses foram incapazes de lutar em duas frentes ao mesmo tempo. Foi a invasão Soviética que destruiu os últimos planos Poloneses de defesa e forçou a liderança Polonesa ao exílio. O exército Polonês recebeu ordens para evacuar e para se reorganizar na França, deixando a Polônia através da Romênia.
Putin afirmou que a ocupação Soviética salvou inúmeras vidas.
A verdade é que entre 1939 e 1941 os Soviéticos prenderam cerca de meio milhão de Poloneses, em torno de um em cada 10 homens adultos. Mais de um milhão de Poloneses, o número exato é desconhecido, foram deportados em quatro ondas da Polônia para os Gulags no norte e no leste da Rússia.
22.000 oficiais, líderes políticos e membros da intelligentsia foram baleados pela NKVD (KGB) nas florestas de Katyn, Charkow, Miednoje, Bykownia em 1940 e enterrados em valas comuns.
A história da União Soviética, da qual a Federação Russa é a herdeira, é a história do totalitarismo comunista que sacrifica todos os aspecto da vida no altar de sua ideologia opressiva.
São seus os crimes do Exército Vermelho, do Stalin,
da Cheka, da NKVD, da KGB e tudo do que saiu daí.
São seus os crimes dos grandes expurgos,
da Grande Fome na Ucrânia,
da Operação Polonesa da NKVD!
São seus os crimes do dia 17 de setembro de 1939!
São seus os crimes que ocorreram em Katyn, nos Gulags,
em Katorga e de toda terra que foi desumanizada!
São seus os crimes na traição durante a Revolta de Varsóvia,
dos estupros em massa, dos saques,
das células de tortura de Lubianka e Rakowiecka e
das desconhecidas valas comuns de Laczka, Sluzewiec e outros!
A Rússia se orgulha de participar da derrota sobre o Nazismo, mas a ofensiva soviética de 1944 e 1945 não trouxe a Polônia, Ucrânia, Lituânia, Letônia, Estônia, Checoslováquia, Hungria liberdade.
Não, os Soviéticos apenas substituíram um totalitarismo pelo outro. Os campos de concentração e trabalho Nazistas em Majdanek, Zgoda, Potulice, Jaworzno e Lambinowice foram apenas transformados pelo NKVD (KGB) em campos Soviéticos.
Por 45 anos os Poloneses lutaram contra o sistema Comunista Soviético que foi imposto a eles. Os amaldiçoados soldados Poloneses lutaram por toda a década de 50, os trabalhadores Poloneses e estudantes se revoltaram em 1956, em 1968 e em 1970, em 1976 e em 1980.
Do exterior a rádio "Europa Livre" nos transmitia mensagens de esperança, o papa Polonês João Paulo II nos deu coragem e manteve nossa fé viva; e, finalmente, em 1989, conseguimos nos libertar!
A independência Polonesa foi conquistada duramente. É por saber quanto custa a liberdade, que devemos defender o nosso país, tanto o seu território quanto o seu Carácter.
Já estamos acostumados a ataques da Rússia, sua propaganda não é novidade para nós.
Mais recentemente, seus ataques focaram na construção de um canal de navio na Divisão de Vistula que nos dará independência da cidade Russa de Baltiysk. Seus ataques foram feitos por conta do projeto Russo-Alemão da "Nord Stream 1", projeto que vai contra interesses poloneses. Você também atacou a Polônia por causa do nosso apoio a Ucrânia, que está atualmente parcialmente em guerra com a Rússia.
Esta batalha atual pela verdade histórica
é uma das muitas lutas ainda por vir!
Porém, tenha a certeza de que nenhuma das suas mentiras
ou ataques passarão sem serem contestados!
É interessante observar isso sobre a ótica da guerra de informação... Enquanto a imprensa ocidental estava focada na briga diplomática entre a Polônia e Rússia sobre o início da Segunda Guerra Mundial, Putin estava ocupado fazendo progressos com a Merkel sobre o project "Nord Stream 2".
Ele também estava ocupado negociando um acordo de trânsito de gás com a Ucrânia e renegociando um contrato de venda de gás com a Bielorrússia, mas esses são todos tópicos para outro dia...
Putin, Merkel discuss Ukraine gas transit and Nord Stream-2: Kremlin
Certamente muitas pessoas da esquerda diriam que o livro “O império ecológico” de Pascal Bernardin estaria criado uma teoria conspiratória surreal (e de direita), ao afirmar que Mikhail Gorbatchov teria propositalmente colaborado para dissolução da União Soviética, e embarcado em planos de uma nova ordem mundial visando exercer o poder de uma forma global usando de engenharia social e da conquista gradual de poder por meio de organismos internacionais como as Nações Unidas e outros.
Apesar do forte viés de esquerda presente no texto e alguns vieses, o artigo publicado pelo site de esquerda confirma boa parte das análises do livro O Império Ecológico. Mas ele ainda vai além, citando recentes documentos com sigilo quebrado pela CIA (Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos), onde explica que o magnata George Soros estava ajudando Mikhail Gorbatchov em todo o processo.
Segundo o artigo, Soros “proporcionou a cobertura econômica ao governo de Gorbatchov, durante o ano de 1987, através de uma ONG ligada à CIA, conhecida como Instituto de Estados de Segurança Leste-Oeste” (IEWSS, sigla em inglês.
Confirmando outros pontos da análise do livro O Império Ecológico, o artigo diz ainda que Soros colaborou com a difusão dos termos “Perestroika” (abertura) e “Glassnost” (transparência), “para o projeto de aceleração do desmantelamento da União Soviética”.
O site de esquerda parece ver nessa manobra algo contra o socialismo e comunismo, mas aí que está o seu erro. Por outro lado, concordo com o artigo quando eles interpretam que esses fatos provam que a queda do regime tenha não foi um ato “espontâneo e democratizante” de Gorbatchov.
De fato, como demonstra o livro de Pascal Bernardin, tudo não passou de uma mudança de estratégia que abandonou o sistema opressivo do comunismo russo, para adotar métodos “não-aversivo” de conquista do poder global. Era preciso abandonar o modelo aversivo da União Soviética, que estava causando muita perda de energia em conflitos, e caracterizava a Rússia como “o grande inimigo”. Por isso, o “grande inimigo” foi sacrificado, para dar a ideia de que “a ameaça acabou”.
Mas, os esquerdistas do site Carta Maior veem nisso tudo um “golpe” contra a Federação Russa. O que houve na verdade, foi a união entre a esquerda e os globalistas por um projeto de poder muito mais amplo.
No livro O Império Ecológico o escritor Pascal Bernardin analisa em detalhes as obras de Gorbatchov, com trechos que vale a pena serem citados aqui e que sintetizam o modo de operação da esquerda atual, financiada por George Soros, Fundação Ford, Bill e Melinda Gates e outros meta-capitalistas.
Dizia Gorbatchov: “…o novo modo de pensamento político considera a solução dos outros problemas globais, aí compreendidos o do desenvolvimento econômico e da ecologia“.
E continua: “isso se aplica não apenas ao desarmamento, a desmilitarização das atitudes mentais e da sociedade mesma, mas também às preocupações gerais pela humanidade, tais como os riscos ecológicos, o futuro dos recursos energéticos, a política sanitária, a educação, a alimentação, o crescimento demográfico, a agressão midiática e assim por diante (M. Gorbatchv, Perestroïka, p. 205, citado em Bernardin, O Império Ecológico, p. 71), grifo nosso.
Pergunto: Não são esses os elementos contidos em toda a Agenda 2030 e presentes em todas as ações da ONU desde a década de 1990? As ideias globalistas mostram-se todas presentes nos escritos de Gorbatchov, e agora sabemos que Soros o estava financiando. E da mesma forma, Soros continua financiando as ONGs de esquerda hoje.
Bernardin explica ainda que a defesa de uma “ecologização da política” e a criação de um “novo sistema de valores” era defendido pelos comunistas que estavam por abandonar o sistema aversivo soviético. Para eles “o sistema de valores ocidental (e, ainda, cristão)” era “cada vez mais anacrônico”. Neste sentido, propunham que no novo sistema de valores onde as “atitudes individuais com relação à natureza deve tornar-se um dos principais critérios que assegurem a moralidade“, não bastando dizer “não matarás”, mas sim, criando uma união entre uma cultura ecológica e a religião. Sobre esse último elemento, vale destacar que a maioria dos que defendiam (e ainda defendem), são ateus.
Bernardin demonstra como Gorbatchov já estava preocupado com a ideia de criação de “problemas globais”, ou seja, problemas que sejam uma preocupação de todos os países. Os problemas globais podem ser reais ou irreais, mas devem existir sempre pois viabilizam uma solução global. Como “problemas globais demandam soluções globais”, justifica-se uma ação internacional que só pode ser realizada por um organismo internacional (leia-se ONU e sua Agenda 2030, com apoio de ONGs e fundações internacionais).
Isso mostra o porquê da grande preocupação com a causa ecológica, por exemplo. Antes de uma preocupação real com o meio-ambiente, o motivo do investimento de Soros e de toda a esquerda nessa pauta é nutrir problemas globais que legitimem a ação de agentes internacionais. Isso garante o poder dos organismos internacionais e o enfraquecimento das soberanias. Compare por exemplo, essa “teoria”, com a atitude recente do presidente da França ao tentar fazer com que o G7 resolvesse o problema das queimadas na Amazônia.
O site Carta Maior, ao final do artigo, interpreta que tudo não passa de um plano da CIA para acabar com o socialismo, atrelando isso a outras ações da CIA em Cuba e Venezuela. Essa interpretação é simplista e poderia ser vista como uma estratégia de desinformação para impedir o leitor de ver o real objetivo para o qual a esquerda e os meta-capitalistas estão trabalhando sistematicamente para alcançar, sempre em parceria.
O livro de Bernardin (pág. 46-48) reproduz longa citação do livro do dissidente comunista Vladimir Boukovsky, onde ele explica que a Rússia comunista vinha desde a década de 1970 com seus intelectuais, produzindo análises sociológicas (sigilosas) para aprimorar o seu sistema de poder. O “programa de revisão ideológico” visava transformar o modelo russo em algo mais racional, mas o objetivo e o “resultado político” eram o mesmo: “a manutenção do poder da elite do Partido”.
Boukovsky destaca ainda, citando Novikov, que “muitos jornalistas apresentaram a finada glassnost como significando o fim do marxismo, quando na realdade ela remontava a uma tradição do marxismo europeu abandonada pelos soviéticos desde 1924″ (Vladimir Boukovsky, Jugement à Moscou, op. cit. p. 483. Citado em O Império Ecológico)
Ironicamente, se faltou na magnífica obra “O império ecológico” de Pascal Bernardin, a ligação entre a “queda do regime soviético” e as ações de globalistas como George Soros, foi justamente “O portal da Esquerda: Carta Maior” quem nos ajudou a comprovar essa ligação e afastar de vez qualquer possibilidade de isso ser uma “teoria conspiratória” da direita.
Os milhões de dólares investidos por Soros e outras fundações na pauta ecológica, aborto, gênero, desarmamento, em movimentos de esquerda, nada mais é do que parte da execução do plano muito bem elaborado. A outra ironia para a vida dos esquerdistas é ver que nada mais fazem do que trabalharem para o “grande capital”.
Outro elemento chave nesse processo que materializa o crescente e assustador poder dos organismos internacionais é a Agenda 2030, que contempla toda essa ideologia e legitima, sistematicamente, o poder da ONU sobre todos os países.
Desertor revela livro de segredos Soviéticos (Obituário do Vasili Mitrokhin)
25 de fevereiro de 2004
Vasili Mitrokhin, arquivista da KGB, 1922-2004
Vasili Mitrokhin, que faleceu nesta semana aos 81 anos, foi o arquivista da KGB cuja deserção para o Reino Unido em 1992 revelou verdadeiro tesouro de segredos Soviéticos para o Ocidente.
Os arquivos do Mitrokhin são na verdade um gigantesco conjunto de material cuidadosamente selecionado entre centenas de milhares de arquivos ultra-secretos da KGB. Estes foram laboriosamente copiados ao longos de 12 anos e devidamente escondidos dentro de latas e de caixas de leite e escondidos em baixo da casa de Mitrokhin na Rússia. Estas cópias possuem detalhados relatórios de todas as operações que a KGB montou desde seu primeiro dia em 1917 até a aposentadoria do Mitrokhin em 1984, e demostram a extensão e o sucesso da KGB em se infiltrar no Ocidente, além de como ela oprimia o povo Russo.
Entre outras revelações, as cópias revelam como mais da metade das armas Soviéticas foram feitas a partir de documentos roubados dos Estados Unidos; como a KGB grampeou o telefone de vários oficiais Americanos, por exemplo Henry Kissinger; e como possuía espiões em praticamente todos os grandes fornecedores de suprimentos para os exércitos de todos os grandes países do Ocidente.
Na França, os arquivos mostram que pelo menos 35 políticos importantes de algum modo trabalharam para a KGB durante a Guerra Fria. Na Alemanha, mostram que a KGB infiltrou todos os grandes partidos políticos, o judiciário e a polícia.
Também são fascinantes a profundidade dos planos que eram preparados para desacreditar aqueles que os Russos consideravam inimigos ideológicos. Havia um plano para quebrar as pernas do bailarino Rudolf Nureyev, que havia desertado para o Ocidente em 1961; numa outra ocasião haviam 18 agentes da KGB em operação nas Filipinas com instruções de garantir que o Campeão de Xadrez Soviético, Anatoly Karpov, não seria derrotado pelo desertor Victor Korchnoi no campeonato mundial. Um dos métodos incluía a utilização de um hipnotizador na primeira fileira da audiência, que tinha como função atrapalhar Korchnoi durante as partidas.
No dia 11 de Setembro de 1999, o arquivo de repente se tornou notícia logo após a publicação do livro "O Arquivo de Mitrokhin ", escrito em conjunto com o historiador Christopher Andrew. As revelações que mais chamaram a atenção da mídia não foram tanto as revelações sobre as operações da KGB contra a OTAN ou as repressões contra dissidentes dentro da União Soviética, mas sim as histórias sobre espiões Soviéticos dentro do Reino Unido. O mais famoso foi o caso da Melita Norwood, uma bisavó de 87 anos, nascida em Bexleyheath (Londres) que ficou conhecida como a "espiã que nasceu da Coop", marcada como a mais antiga espiã da KGB no Reino Unido.
A aquisição do arquivo do Mitrokhin foi na verdade um grande golpe nos serviços de inteligência Britânicos, que acertadamente reconheceram o valor do material, que havia sido totalmente ignorado pelos Americanos. Porém as revelações se mostraram uma total vergonha para as autoridades já que a identidade dos espiões era conhecida por eles desde de 1992 (durante 7 anos), quando o arquivo foi manuseado pelas autoridades, porém nenhuma ação real foi tomada.
Os reais motivos da deserção do Mitrokhin foram assuntos de muitos debates. Ele não desertou por causa do dinheiro e nem estava sofrendo chantagem; ele também não aparentava estar gostando da sua nova vida no Ocidente. Alguns especulam que ele estava amargurado depois de ter sido rebaixado das suas obrigações operacionais para os arquivos da KGB. Porem o mais provável mesmo seja a explicação que ele mesmo deu: o comunismo Soviético foi um mal e deve ser combatido.
Ao disponibilizar o seu arquivo, a única condição que ele impôs foi que o seu trabalho deveria ser feito público como um registro para o povo Russo e como um aviso para as gerações futuras.
Filho de um decorador, Vasili Nikitich Mitrokhin nasceu em Yurasovo, área rural em Rayazan uma província Russa. Entrou para a escola de artilharia, depois frequentou a universidade no Cazaquistão, graduando em História e Direito. Depois do fim da Segunda Guerra Mundial, aceitou um emprego num escritório da Procuradoria Militar na cidade de Kharkov na Ucrânia. Sendo ainda um comunista idealista, Mitrokhin entrou para a Academia de Alta Diplomacia em Moscou e, em 1948 foi recrutado pela KI (Comitê de Informação), o serviço de inteligência sobre o exterior da União Soviética que mais tarde seria absorvido na criação da KGB em 1954.
Durante o ano de 1950, ele serviu em vários operações secretas em outros países. Em 1956, por exemplo, ele acompanhou o time soviético nos jogos olímpicos na Austrália. Porém mais para o fim do ano, como castigo após cometer uma falha em uma das suas tarefas, ele foi rebaixado da frente operacional para os arquivos da KGB; onde foi informado que nunca mais trabalharia em campo novamente.
Mitrokhin, algumas vezes, data o início da sua desilusão com a União Soviética nos famosos discursos de Khrushchev para o congresso do partido comunista, onde ele denuncia os crimes de Stálin. Porém, aparentemente as suas dúvidas começaram um pouco antes. Por diversos diversos anos ele ouvia os relatórios sobre a União Soviética da BBC e da "A Voz da América", percebendo o abismo entre estes relatórios e a propaganda oficial do partido. Além disto quando ele começou a ler os arquivos da KGB, diz ter ficado completamente chocado pelo que descobriu sobre a repressão do povo Russo pela KGB. "Eu não poderia acreditar no tamanho da maldade", ele lembra. "Tudo era completamente planejado, preparado e pensado de antemão. Foi um choque terrível quando eu li aquelas coisas".
Quando, em 1972, os arquivos foram movidos de Lubyanka para Moscou, o local do novo repositório, no subúrbio da cidade, Mitrokhin viu ali a sua chance. Recebeu então a responsabilidade de checar e selar todos os 300.000 arquivos. Foi quando ele começou a fazer as cópias dos documentos, que foram traficadas do prédio dentro de seus sapatos, calças ou até mesmo dos seus casacos. Se tivesse sido pego, com certeza teria sido executado.
Mitrokhin continuou suas atividades clandestinas por 12 anos até a sua aposentadoria em 1984, quando seu chefe, Vladimir Kryuchkov, o parabenizou pelo total sucesso em transferir os arquivos e o seu "Impecável serviço para as autoridades da Segurança do Estado".
Já aposentado, Mitrokhin apenas observava e esperava uma chance de sair do país. Oportunidade que veio apenas quando a União Soviética caiu. Em 1992, ele recebeu permissão para tirar férias na Latvia. Levando consigo uma pequena amostra dos seus arquivos, ele foi diretamente à Embaixada Americana em Riga e ali pediu a sua deserção. Os oficiais da CIA na embaixada, entulhados de pedidos de asilo de Russos fugindo da quebrada União Soviética, não mostraram nenhum interesse. A principal razão foi que Mitrokhin não era um espião, apenas um bibliotecário, e os documentos escritos à mão provavelmente eram falsos.
Mitrokhin então tentou a Embaixada Britânica, que reconheceu a sua importância e fez todos os arranjos necessários para removê-lo do país. Fato que foi inicialmente dificultado pela necessidade de recuperar o restante dos arquivos, ainda enterrados debaixo da casa de Mitrokhin. O plano de recuperação acabou envolvendo seis agentes da MI6, todos vestidos como operários, que desenterraram mais ou menos seis baús, material que foi depois transportado por uma van. No dia 7 de setembro de 1992, Mitrokhin, sua família e seus arquivos chegaram ao Reino Unido.
A operação da MI6 foi tão bem sucedida, que por algum tempo, as autoridades Russas sequer sabiam o que tinha acontecido. Logo após a divulgação tentaram de maneira desajeitada desacreditar os arquivos. Por exemplo, enviando dois falsos desertores para as agências de inteligência do Ocidente, que diziam que a sucessora da KGB, a SVR, na verdade tinha iniciado uma massiva limpeza de agentes aposentados e que tinha escolhido Mitrokhin para transmitir esses relatórios para o Ocidente.
Porém, já estava bastante claro que o material Mitrokhin era valioso demais para que a SVR tenha optado por deliberadamente liberá-los e que os desertores fossem na verdade implantados pelos Russos.
A publicação do "Os Arquivos Mitrokhin" em 1999 foi seguida por outras publicações, incluindo em 2002 o "Léxico da KGB" pelo próprio Mitrokhin.
Os arquivos de Mitrokhin desencadearam algumas demissões, prisões, e vários processos ao redor do mundo, Apesar de que ainda acreditamos que existam mais ou menos de 300 agentes soviéticos apenas no Reino Unido e na América, agentes que ainda não foram totalmente identificados em público.
Hoje o trabalho de Mitrokhin é continuado pelo seu filho.
Ancelmo Gois, União Soviética e a ditadura militar brasileira
por Astier Basílio
Qual foi o papel da União Soviética durante a ditadura militar no Brasil?
14 Fevereiro 2019
Espera-se de um órgão da República equilíbrio, sobretudo na emissão de notas oficiais. A retórica inflamada e beligerante faz parte da campanha, pertence ao espaço do palanque. Em democracias, responder a um questionamento não pode suscitar ataques à biografia do jornalista. Não custa lembrar o óbvio. O Ministro da Educação gere dinheiro de impostos que são arrecadados não apenas das pessoas que votaram em Bolsonaro, mas de quem sufragou os demais candidatos e inclusive daqueles que anularam o voto ou nem compareceram às urnas.
Isto posto, vamos ao exame dos fatos. Não é delírio persecutório, nem teoria da conspiração, afirmar que Ancelmo Gois foi à União Soviética e sob os auspícios do serviço secreto, a KGB, obteve documentação falsa com a qual viajou e que ao chegar em Moscou, veio a estudar “marxismo e leninismo”, na escola de formação de jovens quadros do Partido Comunista. Foi Ancelmo quem contou em detalhes sua ida à Rússia, em 1968. A entrevista, concedida há dez anos, está disponível no site da Associação Brasileira de Imprensa para qualquer um ver [https://amizadedasnacoes.blogspot.com/2019/01/ancelmo-gois-e-kbg.html]
A revista Fórum forneceu a leitura emblemática que a esquerda fez do episódio ao dizer que a nota “viralizou pelo ridículo” e se referiu a “supostas relações do jornalista com a União Soviética e o serviço secreto comunista”.
Não é delírio persecutório, nem teoria da conspiração afirmar, que Ancelmo Gois foi à União Soviética
Em entrevista à versão brasileira do jornal El País, o professor Carlos Fico, do departamento de história da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) faz uma constatação: “Não há praticamente nada de pesquisa sobre a União Soviética nesse período”. A enxurrada de memes e piadas são um duro reflexo desta ignorância. [ https://brasil.elpais.com/brasil/2018/06/04/politica/1528124118_758636.html ]
O treinamento do futuro tradutor de Dostoiévski
Ancelmo não foi o único jovem esquerdista a receber treinamento doutrinário na União Soviética. Dentre os relatos conhecidos, destaca-se o do paraibano Paulo Bezerra, célebre por seu trabalho de tradução das obras de Dostoiévski. Quando viajou, outros nove brasileiros o acompanhavam com o igual propósito. Era Bezerra o único operário do grupo.
A aventura aconteceu em finais de 1963. Apesar de sua ida ter ocorrido antes do golpe, é interessante observar a estratégia discursiva empregada pelo tradutor ao narrar sua história. Metalúrgico de uma montadora de automóveis no ABC, Bezerra ingressou no meio sindical e filiou-se ao Partido Comunista. Em entrevista à Folha de São Paulo, em 30 de dezembro de 2015, Rodolfo Viana escreveu que Bezerra “pela filiação, acabava demitido de todas as fábricas. Chegou a ser preso em 1962, durante uma greve. Foi liberado horas depois, mas não conseguia mais emprego”.
A história havia sido contada antes ao jornal Gazeta Russa, em 2012, com um detalhe interessante. Na ocasião, Bezerra disse haver em sua ficha a inscrição do termo “agitador”. Quem lê as entrevistas e matérias, é levado a crer que a ida à União Soviética, para fazer o curso de formação política, foi a única maneira de escapar ao insuportável clima de perseguição existente.
Ao se referir a estes episódios de sua vida, Bezerra, entretanto, jamais cita o nome de João Goulart, que à época de sua viagem, era o presidente da República. Entretanto, o tradutor usa um interessantíssimo truque retórico. Após narrar as dificuldades enfrentadas antes de sua ida a URSS em seguida conta sempre a mesma piada. “Acho que o Castello Branco soube que eu estava lá e resolveu dar o golpe para me beneficiar”.
Com este jogo subliminar, estabelece-se uma relação direta entre a atmosfera opressora de perseguição aos sindicalistas e a fuga por meio da viagem à URSS. Assim, a viagem de um filiado do Partido Comunista, havida meses antes do golpe, se transforma em exílio e o propalado clima de perseguição sindical, despersonalizado, ganha um rosto: o de Castello Branco.
Esta estratégia narrativa corrobora o esforço da esquerda em reescrever suas ligações com Jango, o que desvela a tentativa de consolidação o mito da luta armada como guardiã da democracia. Quem se der ao trabalho de pesquisar nas fotos antigas, em nenhuma das passeatas contra a ditadura ergueram-se faixas a pedir a volta do presidente deposto. Quando o então jovem guerrilheiro Franklin Martins, após sequestrar o embaixador americano, exigiu que um manifesto seu fosse lido em rádio e televisão (além de publicado nos principais jornais do País), a palavra democracia não apareceu nem uma única vez no texto. Tampouco o nome de João Goulart.
Charles Elbrick foi o primeiro de quatro sequestros feitos pelos diferentes grupos de esquerda entre 1969 e 1971. Como resultado das ações 140 presos foram libertos. Em nenhum momento a esquerda lembrou-se que João Goulart estava exilado no Uruguai. Seu nome não apareceu em nenhuma lista, sua volta não foi exigida, nem que fosse um gesto de se marcar uma posição política. O “volta Jango” só veio existir décadas depois dele morto, como desdobramento da reescritura do passado da luta armada. O ápice desta pantomima, se deu com a devolução simbólica do mandato de João Goulart pela ex-guerrilheira Dilma Rousseff em 2014.
No longínquo ano de 1982, é possível observar, sem filtros, como o legado de Goulart era visto pela esquerda. Lula disputava sua primeira eleição, como candidato ao governo de São Paulo. Em entrevista à Folha de São Paulo, em 5 de setembro, o candidato foi às cargas contra Jango: “a gente apanhava nas greves em 1963, aqui em São Paulo, eu com 17 anos”. O repórter da Folha, então, diz que não se lembrar daquilo. Lula ratifica: “Aqui, em 1963, eu cansei de tomar corrida da polícia, da cavalaria aqui”.
Ditadura não rompeu relações com URSS
As relações diplomáticas entre o Brasil e a União Soviética foram reatadas no governo de João Goulart. Quando os militares deram o golpe de estado, o Itamaraty não rompeu com Kremlin ao contrário do que aconteceu com outros países socialistas como China e Cuba.
Sob as bênçãos do curto mandato de Goulart, os soviéticos gozaram de liberdade e ensaiaram aproximação com o Brasil. É o que diz o historiador Rodrigo Patto Sá Motta¹, ao referir-se ao restabelecimento dos laços com Rússia. “Com a recém conquistada liberdade de movimentos, a URSS implantou programas para facilitar o aprendizado da língua russa, principalmente através dos Institutos Culturais Brasil-URSS (ICBUS). Além disso, firmaram-se convênios para envio de estudantes brasileiros à União Soviética”.
Patto Sá Motta faz uma ressalva e toca num ponto importante. Para além do acordo formal havia um intercâmbio que ocorria no subterrâneo. “Clandestinamente, a URSS recebia brasileiros para treinamento desde os anos de 1920, mas tratava-se de militantes selecionados pelo PCB”.
Moscou e Havana em lados opostos
Por mais que se tenha consolidado no imaginário a ideia de que a ditadura militar brasileira era subserviente às vontades dos Estados Unidos, as relações dos presidentes militares com a União Soviética, se por um lado eram tímidas em 1964, vieram a se ampliar nos anos 1970. A avaliação é feita por Graciela Zubelzú de Bacigalupo, professora Teoria das Relações Internacionais na Universidade Nacional de Rosário, na Argentina.
Em seu artigo “As relações russo-brasileiras no pós-Guerra Fria”, Zubelzú sublinha que a política externa brasileira da época tornou-se mais pragmática e passou a reconhecer “o peso da URSS no cenário internacional e as possibilidades de uma aproximação econômica de Moscou. Firmam-se um convênio de cooperação em 1970 e outro de navegação marítima em 1972, enquanto aumentam as relações comerciais e o Brasil inicia suas importações de petróleo da URSS. Em março de 1975 é assinado um convênio comercial e o intercâmbio total entre os países alcança 440 milhões de dólares em 1976”.
Talvez esteja aqui uma possível chave para se entender a posição contrária da União Soviética em relação aos anseios de Cuba de exportar a revolução ao Brasil, bem como à toda América Latina. É uma contradição que, também, reverbera no seio da própria ditadura militar, no tocante às tratativas com Moscou e os demais países socialistas.
É o que flagra o já citado Patto Sá ao argumentar: “o governo Castelo Branco queria conter a influência dos países e das ideias socialistas no Brasil, mas não desejava romper relações diplomáticas com a Europa do leste. Isso gerou uma situação curiosa, e desagradável para os setores mais intransigentes da direita: as atividades culturais dos soviéticos eram monitoradas, mas não inteiramente proibidas”.
A guerrilha existiu antes golpe
Denise Rollemberg em seu livro “O apoio de Cuba à luta armada no Brasil: o treinamento guerrilheiro” (Rio de Janeiro: Mauad, 2001) desmonta um dos pontos centrais da narrativa de esquerda armada: a de que guerrilha só existiu por não haver outro meio de luta, sendo, portanto, uma reação à ditadura militar.
“A relação das Ligas com Cuba evidencia a definição de uma parte da esquerda pela luta armada no Brasil, em pleno governo democrático, bem antes da implantação da ditadura civil-militar”, assevera a escritora.
A discordância da União Soviética com a implantação por Cuba dos focos de guerrilha pela América Latina pode ser emblematizada no encontro, ocorrido em Havana, em 1963 – ainda sob a vigência do governo de João Goulart, repita-se – entre Francisco Julião e Luís Carlos Prestes, este Secretário Geral do Partido Comunista, aquele representante das Ligas Camponesas.
Detalhes da reunião podem ser encontrados no site “Os Arquivos da Ditadura”, mantido pelo jornalista Elio Gaspari, autor de uma soberba pentalogia sobre os anos de chumbo. Quem relatou o encontro foi o encarregado de negócios da embaixada do Brasil em Havana, José Maria Diniz Ruiz de Gamboa.
As opiniões de Prestes e Julião eram divergentes. “Julião sustentava que, no Brasil, existiam ‘condições necessárias para uma revolução’. Prestes mostrava-se cauteloso e “afirmava aos líderes cubanos que seria ‘criminoso’ optar pela luta armada no Brasil, nos moldes da Revolução Cubana de 1959”.
No documento se reportava: “Existem provas de que alguns soviéticos avaliam que a violenta retórica de Castro, ainda que útil no sentido de unir militantes jovens de esquerda, tende a afugentar outras forças da pequena burguesia e da burguesia nacional que poderiam ser seduzidas a aderir ao Partido Comunista local”, afirma o documento.
Apesar da posição contrária dos dirigentes soviéticos, Cuba treinou em torno de 200 militantes brasileiros. Para Denise Rollemberg “(…) a própria URSS, evidentemente, sempre esteve a par do fluxo mantido nos anos posteriores de militantes indo a Cuba treinar. As rotas de entrada e saída do país, por exemplo, passavam por Moscou e Praga, onde os guerrilheiros eram recebidos e orientados”.
Brasil nos arquivos soviéticos
Em maio de 1964, o diplomata tchecoslovaco Zdenek Kvita, que ocupava no Brasil o segundo posto na embaixada de seu país, foi preso por agentes do DOPS carioca, “quando tentava obter documentos secretos de suposto informante, na verdade agente policial. O agente da polícia estava fingindo vender a Kvita informações secretas, como a planta da Refinaria Duque de Caxias e os planos brasileiros para monitorar Embaixadas dos países socialistas”.
A informação está nos arquivos da CIA, recolhidos pelo historiador Rodrigo Patto Sá Motta. Este personagem, Zdenek Kvita, é citado no site “STB, o Brasil nos Arquivos Soviéticos”, como o primeiro integrante da polícia secreta a manter contato com seus colegas cubanos.
O portal disponibiliza documentos, reproduz artigos da presença do serviço secreto da Tchecoslováquia no Brasil de 1945 a 1990. O trabalho redundou no livro “1964, O Elo Perdido – O Brasil nos arquivos do serviço secreto comunista” (Vide Editorial, 2017), do brasileiro Mauro Kraenski e do polonês Vladimir Petrilák.
O serviço tcheco era a verdadeira KGB no Brasil
Em resenha ao livro, João César de Melo observa que a StB atuava livremente no Brasil pois a Tchecoslováquia não era vista como inimiga, “o que dava liberdade para seus agentes circularem, se relacionarem com brasileiros e obterem informações sem despertar suspeitas. O resultado foi a infiltração de dezenas de agentes tchecos que recrutaram centenas de brasileiros a partir de 1952. Tudo, absolutamente tudo, registrado metodicamente. Em outras palavras: a StB era, de fato, a KGB no Brasil, dado que todas as diretrizes da agência tcheca eram definidas em Moscou”.
Apoio à ditadura brasileira em ações antiamericanas
O escritor e ativista Vladimir Bukovsky, hoje com 76 anos, antigo dissidente do regime comunista, conseguiu reunir e disponibilizar em sua página na internet um dos maiores acervos com documentos referentes ao regime soviético.
Parte expressiva deste material está traduzido para o inglês. As referências ao Brasil são poucas, mas significativas. A mais importante delas é uma circular, de 9 de setembro de 1966, cujo título é: “sobre o crescimento da propaganda anti-soviética nos Estados Unidos e na América Latina”.
Num trecho do documento se diz: “(…) é necessário apoiar passos antiamericanos tomados independente dos governos latino americanos (incluindo entre os quais Brasil e Argentina) em relação a certas questões, sem exagerar tais atos, pois eles podem ser antiimperialistas apenas na forma”. Por aquele período o Brasil era governado pelo primeiro presidente da ditadura militar, o marechal Castello Branco. A Argentina também. No poder estava Juan Carlos Onganía após um golpe de estado.
Fundo para organizações de esquerda
Em 1969, o Partido Comunista do Brasil aparece num documento do Politburo, numa lista de envio de dinheiro, para criação de um “Fundo Internacional para ajudar Organizações de Trabalhadores de Esquerda”. Dos 15 primeiros destinatários da verba, o Brasil figurou na oitava colocação, com a quantia de 200 mil dólares.
Há pedidos de treinamento, com todas as despesas pagas pelo fundo do Partido Comunista Russo, para militantes brasileiros. Quem assinou as solicitações foi Luís Carlos Prestes. Em 1974, recepção e despesas para um curso de três meses, ao camarada Leonardo Leal, quadro do Partido,que fez parte das Ligas Camponesas, na Paraíba. Em 1978, curso de treinamento em atividades clandestinas para Marcelo Santos, membro do Comitê Executivo do Partido Comunista do Brasil.
Silêncio da academia sobre a União Soviética
Quem pesquisa a ditadura militar brasileira, lê as dissertações de mestrado, as teses de doutorado, vê os documentários e filmes de ficção, estuda na bibliografia sobre o período, sai com a impressão de que a Guerra Fria, ao menos no Brasil, não veio acabar em 1991, com a desintegração da União Soviética, mas em 1964, quando do golpe militar. Como se, sem mais nem menos, a maior potência socialista do planeta abandonasse o maior país da América Latina para usufruto de seu rival, os Estados Unidos, cujos passos, ações e estratégias, realizadas ou não, foram incansavelmente mapeados, ao contrário das pegadas da Rússia por aqui. O conhecimento histórico do período, bem como das intrincadas relações políticas dos atores que fizeram parte do jogo político à época, nada tem de conspiratório ou amalucado.
CNA: Em termos gerais, é possível dizer que o crescimento da Teologia da Libertação teve alguma conexão com o governo Soviético?
Ion Mihai Pacepa: Sim. Eu descobri sobre o envolvimento da KGB na Teologia da Libertação diretamente do General Soviético Aleksandr Sakharovsky, conselheiro chefe do departamento de inteligência estrangeira da Romênia (Razvedka), que foi o meu verdadeiro chefe até 1956, ano que ele se tornou chefe de um dos serviços de espionagem da União Soviética, a PGU, posição que ele manteve por 15 anos, um recorde.
No dia 26 de Outubro de 1959, Sakharovsky e seu novo chefe, Nikita Khrushchev, vieram à Romênia para o que acabou conhecido como "as férias de seis dias do Khrushchev". Ele nunca tinha tirado férias tão longas antes, nem estava na Romênia para realmente descansar. Khrushchev realmente queria entrar na história como o líder Soviético que exportou o comunismo para a América Central e para a América do Sul. Sendo a Romênia o único país com tradições latinas no bloco Soviético, Khrushchev em pessoa foi se certificar que todos os "líderes latinos" estavam prontos para começar as novas guerras pela liberação.
Já ouvi falar do Sakharovsky em teus textos, porém nunca encontrei mais nada relevante sobre ele. Por quê?
Sakharovsky foi um dos segredos Soviéticos dos anos mais quentes da Guerra Fria, naquela época nem mesmo alguns membros dos governos de Israel e do Reino Unido, por exemplo, sabiam a identidade dos agentes da Mossad e do MI-6. Sakharovsky, porém, teve um papel extremamente importante moldando a história da Guerra Fria. Ele foi o responsável pela exportação do comunismo para Cuba; teve uma participação nefasta na crise de Berlim (1958-1961) que culminou na criação do muro de Berlim; e arquitetou a Crise dos Mísseis (1962) que quase começou uma guerra nuclear.
A Teologia da Libertação é um movimento que de algum modo foi criação de alguma equipe do Sakharovsky dentro da KGB, ou é um movimento que foi apenas promovido pela URSS?
O movimento nasceu de dentro da KGB, e tem um nome bem KGB: Teologia da Libertação. Durante aqueles anos, a KGB tinha uma inclinação pelos movimentos de "liberação", por exemplo: o exército pela liberação nacional na Colômbia (FARC), criado pela KGB com a ajuda do Fidel Castro; o exército de liberação da Bolívia, criado pela KGB com a ajuda do Che Guevara; a Organização pela Liberação da Palestina (PLO), criada pela KGB com a ajuda do Yasser Arafat etc... estes foram apenas alguns dos movimentos de liberação criados em Lubyanka, onde fica a sede da KGB.
O nascimento da Teologia da Libertação foi intenção de um encontro super secreto que ocorreu em 1960 chamado "Programa de Desinformação do Partido-Estado" que foi aprovado por Aleksandr Shepelin, presidente da KGB e pelo membro do politburo Aleksey Kirichenko, que coordenava as políticas internacionais do Partido Comunista. Este programa demandava que a KGB tomasse o controle do Conselho Mundial das Igrejas (WCC), baseado em Geneva na Suíça, e o usasse como fachada para transformar a Teologia da Libertação numa ferramenta revolucionária na América do Sul. O WCC era a maior organização ecumênica fora o Vaticano, representando de algum modo 550 milhões de Cristãos de várias denominações por mais de 120 países.
O nascimento de um movimento religioso é um evento histórico. Como esse nascimento ocorreu?
A KGB começou criando uma organização intermediária chamada Conferência Cristã pela Paz (CPC), que possuía sua sede em Praga. Sua função era trazer à vida a idéia da Teologia da Libertação, assim como idealizada pela KGB.
Esta conferência (CPC) foi gerenciada pela KGB e era subordinada da venerada Conselho pela Paz Mundial, outra criação da KGB, fundada em 1949 e também sediada em Praga.
Durante os meus anos no topo da comunidade da inteligência do bloco Soviético, eu mesmo gerenciei operações para o Conselho pela Paz Mundial (WPC). Ela era KGB de cima abaixo. A maioria dos funcionários da WPC eram oficiais da inteligência Soviética disfarçados. As duas publicações da WPC, ambas em francês, "Nouvelles perspectives" e "Courier de la Paix" também eram gerenciadas por funcionários da KGB e da DIE Romena. Até mesmo o dinheiro da WPC vinha de Moscou e era entregue pela KGB na forma dólares lavados, para esconder sua origem Soviética. Em 1989, quando a União Soviética estava para colapsar, a WPC assumiu publicamente que 90% do seu dinheiro vinha da KGB.
Como começou a Teologia da Libertação?
Eu não estava envolvido na criação em si da Teologia da Libertação. Porém, Sakharovsky me disse que em 1968, a CPC, conferência cristã criada pela KGB, com apoio da WPC, conseguiu manobrar um grupo de bispos esquerdistas na América do Sul para estabelecer a Conferência Latina Americana de Bispos em Medellín , na Colômbia. A função original da conferência era descobrir modos de aliviar os males da pobreza, porém seu objetivo não declarado foi reconhecer um novo movimento religioso, encorajando os pobres a se rebelar contra a "violência institucionalizada da pobreza" e recomendava que o Conselho Mundial das Igrejas dessa aprovação oficial ao movimento.
A Conferencia de Medellín alcançou seus dois objetivos. E ainda utilizou o nome idealizado pela KGB: Teologia da Libertação.
A Teologia da Libertação possui seus próprios líderes, alguns são figuras "pastorais" até famosas, alguns são intelectuais. Você sabe se teve envolvimento Soviético em promover a imagem ou os escritos destas personalidades? Por exemplo, Bispo Sergio Mender Arceo do México? Helder Camara do Brasil? Alguma conexão com teólogos liberais como Leonardo Boff, Frei Betto, Henry Camacho ou o Gustavo Gutierrez?
Tenho bons motivos para suspeitas que exista uma forte conexão entre a KGB e alguns dos seus principais apoiadores, porém não tenho nenhuma evidência para prová-la. Nos meus últimos 15 anos na Romênia (1963-1978), eu gerenciei a espionagem científica e tecnológica, assim como as operações de desinformação que visavam melhorar a imagem do Ceausescu no Ocidente.
Recentemente, dando uma olhada no livro do Gustavo Gutierrez "Teologia da Libertação: Perspectivas" de 1971, eu tive a sensação que foi escrito na KGB. Não é a toa que ele é tido como o fundador da Teologia da Libertação. Agora, daí para possuir provas é um longo caminho.
Dois pesquisadores resgatam a trajetória do serviço secreto da Tchecoslováquia, que foi muito atuante no Brasil nas décadas de 1950 e 1960 e enviou informações para Moscou.
Existem espiões em todas as épocas e todos os lugares, especialmente durante conflitos ou situações de tensão entre blocos de países. É natural imaginar que, durante a Guerra Fria, havia agentes e informantes em todos os cantos do planeta.
O Brasil, o maior país da América Latina, era um território estratégico, principalmente depois que um pequeno grupo de guerrilheiros transformou Cuba em uma ilha socialista a poucos quilômetros dos Estados Unidos. Mas quem exatamente circulou no Brasil? Que informantes utilizaram? Que estratégias adotaram?
É conhecido o interesse da CIA em interferir nos rumos políticos brasileiros nos anos 1950 e 1960. Afinal, o país abriu boa parte de seus arquivos e o que se sabe já indica que Washington acompanhou bem de perto o contexto do país. Chegou a se preparar para dar apoio militar aos adversários do presidente João Goulart, uma medida que acabou não sendo necessária. No caso do bloco soviético, os arquivos em geral permanecem fechados, ou de difícil acesso. Com uma exceção muito importante: a Tchecoslováquia.
O país era influente no Brasil. Empresários importantes, filhos ou netos de tchecos, eram respeitados, principalmente no Sul e Sudeste. Não eram necessariamente adeptos do comunismo, é claro, mas sua presença oferecia bela fachada que os agentes tchecos aproveitaram ao longo dos anos 1950 e 1960.
Melhor ainda: depois da redemocratização realizada a partir dos anos 1990, a Tchecoslováquia abriu quase todos os seus arquivos que documentam a atuação de seu serviço secreto. Só faltava quem fosse até lá com muita disposição e conhecimento mínimo do idioma.
Com a publicação de 1964: O Elo Perdido, Mauro Kraenski e Vladimir Petrilák começam a suprir essa lacuna. A obra traça um panorama detalhadíssimo a respeito da atuação da Státní Bezpečnost (StB), a polícia secreta tcheca, no Brasil, entre 1952 e 1971. Conclui que assessores muito próximos de pelo menos dois presidentes brasileiros atuaram fornecendo informações para o lado de lá da cortina de ferro.
Arquivos abertos
Ao fim da Segunda Guerra Mundial e a formação do bloco de países aliados da Rússia, diferentes serviços secretos surgiram para investigar as populações locais e também espionar e agir no exterior. Sabemos que, no Brasil, agentes da Polônia, da Alemanha Oriental, de Cuba e da Tchecoslováquia moraram no país. Todos repassaram informações para suas sedes. Dali, os relatórios seguiam para Moscou. Quando necessário, os russos interferiam, pedindo mais informações ou assumindo o controle de determinadas operações.
“É realmente impressionante que o serviço de inteligência da pequenina Tchecoslováquia tenha sido capaz de atuar em tantos países do mundo. Foi um verdadeiro serviço de inteligência global em suas atuações. Possuiu suas rezidenturas (sedes) em vários países latino-americanos, como Brasil, Uruguai, Argentina, Chile, Colômbia, Venezuela, Bolívia, México, Equador”, diz Mauro Kraenski, tradutor versado em polonês, com boas noções do idioma tcheco.
Mauro passou dois anos digerindo as informações disponíveis nos arquivos de Praga, a capital. Quando encontrou dificuldades, foi socorrido pelo coautor, o colunista tcheco Vladimir Petrilák.
“Não foi nem um pouco difícil ter acesso aos documentos”, diz Vladimir. “O arquivo é público e está aberto para qualquer um que deseje pesquisar. Não houve censura de documentos, somente em alguns poucos casos recebemos a informação de que determinada pasta deveria passar por um tipo de avaliação. Trata-se de uma formalidade, mas ao fim, depois de um curto período de tempo, estas pastas também foram liberadas”.
O site oficial do livro apresenta alguns desses documentos.
Visão negativa dos brasileiros
A StB começou a agir entre nós no Rio de Janeiro, com um único agente, o barbeiro por profissão Jiří Kadlec, codinome Treml. Tinha 27 anos e só havia feito um curso de espionagem de dois meses. Seu maior objetivo estava bem claro: “A missão mais importante era a luta contra os Estados Unidos da América e muitas das tarefas tinham como objetivo desacreditar os americanos e prejudicar a sua imagem”.
Ele vivia sozinho num apartamento que funcionava como a “rezidentura”, o nome das instalações de agentes no exterior. Na mesma época, a rezidentura da StB em Nova York abrigava sete agentes; a de Buenos Aires, quatro. Treml agiu sozinho por dois anos e, em seus relatórios, reclamou muito. Primeiro, porque não tinha estudado português o suficiente antes de se mudar. Segundo, porque seu apartamento mal tinha móveis. Ele não tinha autorização para mobiliá-lo nem verba para levar informantes para passear ou jantar. Poucos anos depois, a situação havia mudado bastante.
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Em 1962, depois de dez anos de atividades, já viviam no Rio vários agentes, que mantinham uma boa rede de relacionamento. Também havia um espião vivendo em Brasília e contatos esporádicos em São Paulo.
Um manual básico sobre o Brasil para novos espiões, datado dessa época, descrevia o país da seguinte forma:
“O funcionário do serviço de inteligência no Brasil terá contato principalmente com a população das grandes cidades, ou seja, com a chamada classe média, da qual procedem a maioria dos funcionários públicos federais. Um brasileiro, ao contatar com um estrangeiro, possui uma tendência em fazer uma grande quantidade de promessas, já supondo que não cumprirá nenhuma delas. São pessoas preguiçosas e bem levianas, com as quais não se pode contar.”
O texto continua: “No Brasil, por regra, encontramos pessoas ignorantes, que, mesmo com numerosos títulos científicos, não chegam aos pés da nossa gente com formação primária.”
Contato com Jânio e Jango
Além de fazer este tipo de estudo sobre as características sociais, políticas e comportamentais do país, os tchecos tinham um objetivo claro: convencer formadores de opinião nacionalistas, incomodados com a influência dos Estados Unidos sobre o Brasil. Um dos critérios para descartar um possível informante, inclusive, era sua participação em partidos de esquerda, que fariam dele um alvo fácil demais, capaz de expor a própria StB.
“O serviço de inteligência tchecoslovaco determinava alvos de interesse”, diz Mauro. “No Brasil, podemos citar: Ministério das Relações Exteriores, Congresso Nacional, instituições científicas, polícia, serviço de inteligência, partidos políticos, jornalistas, Petrobrás, Exército, Confederação Nacional da Indústria”. A exceção mais notável foi Francisco Julião: a StB se mostrou muito interessada no líder das Ligas Camponesas e chegou a avaliar seriamente sua capacidade para liderar uma revolução comunista.
Foi ao buscar este perfil de pessoas, capaz de influenciar a imprensa e a economia, que os agentes tchecos alcançaram figuras de alto escalão no cenário político brasileiro pré-1964, incluindo jornalistas com acesso ao presidente e aos bastidores de eventos, assessores de ministros e diretores de departamentos estratégicos em Brasília.
Dois casos, em especial, chamam a atenção. O tradutor Alexandr Alexeyev, agente da KGB, ficou próximo de Jânio Quadros quando o então presidente visitava Moscou como político de oposição, em 1958. Nesse caso, os arquivos da StB fornecem um vislumbre da ação do alcance da KGB no Brasil. Alexeyev estava em Cuba quando Jânio foi eleito. A StB ajudou a conseguir o visto para que ele entrasse no Brasil. Graças a um contato dos agentes tchecos em Brasília, o agente russo conseguiu, em 5 de maio de 1961, realizar uma reunião com o presidente. Ouviu de Jânio a promessa de que as relações diplomáticas do Brasil com a URSS seriam reatadas – o que de fato aconteceria, em novembro.
E há a história da aproximação com João Goulart. Jango visitou a Tchecoslováquia em dezembro de 1960, como vice-presidente. Da visita, os agentes relataram uma impressão positiva. E ficaram mais bem relacionados ainda com Raul Francisco Ryff, um assessor muito próximo de Jango. Durante todo o governo de João Goulart, a StB foi mantida muitíssimo bem informada sobre as intenções do presidente.
Pró-Cuba
A StB também liderou uma frente de formadores de opinião pró-Cuba. Chegou a formar um grupo, a Frente Nacional de Apoio a Cuba (FNAC), que em 1963 organizou em Niterói o Congresso Continental de Solidariedade a Cuba. Também emplacou artigos em jornais e revistas a favor de Cuba e dos soviéticos e contra os Estados Unidos.
Ainda assim, a influência junto a essas figuras e a capacidade de organizar eventos em solo nacional não permitiu que a StB percebesse nem a renúncia de Jânio, em 1961, nem a aproximação do golpe militar de 1º de abril de 1964.
Os próprios agentes fazem a autocrítica a respeito dessa falha grave: “A deposição de Goulart foi realizada diretamente pela extrema reação de círculos civis e militares, ou seja, por aquelas mesmas pessoas que realizam golpes em pequenos países centro-americanos”, apontam em seu relatório. “O fato é que nestes círculos nós não possuímos nem nossa rede de agentes, nem contatos secretos”. Sinal de que a meta de se aproximar dos militares nunca foi atingida.
Reação ao golpe
Depois do golpe, a StB tentou ajudar a reação. Fez contatos com Leonel Brizola, genro de João Goulart e possível líder de uma reação armada. Mas Brizola adiou a ação, alegando que ainda não havia espaço para uma reação consistente.
A partir de então, começou a terceira fase do serviço de espionagem tcheco em solo brasileiro. Ela acabou se mostrando um esforço cada vez mais perigoso, na medida em que o regime militar brasileiro aumentava o cerco sobre estrangeiros originários do Leste Europeu. Isso não quer dizer que a permanência não tenha dado nenhum resultado.“A StB sabia que Cuba apoiava a guerrilheiros e inclusive, no âmbito de uma operação que se chamava Manuel ajudou no transporte, via Praga, de latino-americanos, inclusive brasileiros, que faziam treinamento de guerrilha em Cuba”, diz Mauro.
Em 1971, o escritório da agência foi definitivamente fechado. Em algum momento o serviço de espionagem tcheco teria sido capaz de induzir um golpe de esquerda no Brasil? Não, mas conseguiu ser influente o suficiente para influenciar parcelas da imprensa e municiar Moscou de boas informações sobre os bastidores do governo brasileiro. Não é pouca coisa. As pesquisas de Mauro e Vladimir continuam, mas, por enquanto, já foram localizados mais de três dezenas colaboradores brasileiros.
“Não temos a intenção de denegrir a imagem de ninguém; não somos nós que estamos afirmando que alguém foi um colaborador, são os documentos do arquivo da polícia secreta da Tchecoslováquia comunista que o dizem”, afirma Vladimir. “Por enquanto, pudemos encontrar informações sobre cerca de 30 colaboradores brasileiros, descritos como agentes ou contatos secretos. Estamos falando de, por exemplo, diplomatas, economistas, jornalistas”.