quinta-feira, 24 de setembro de 2015

O KGB e a Desinformação Soviética: Uma visão por dentro - Carta forjada sobre intervenção da CIA

Ladislav Bittman

Capítulo 1
página 8


[...]

Em fevereiro de 1965, o serviço secreto me enviou a vários países da América latina, incluindo o Brasil e a Argentina, para fazer uma avaliação pessoal do clima político e para procurar novas ideias operacionais. Naquela época, a inteligência da Checoslováquia já possuía vários jornalistas a sua disposição na América Latina. Eles influenciavam diversos jornais, tanto de maneira ideológica, como de maneira financeira no México e no Uruguai e, até mesmo, era dono de um jornal político no Brasil até abril de 1964. Porém, a desinformação era tradicionalmente associada em larga escala as técnicas de falsificação.

A operação Thoman Mann estava muito próxima do seu fim quando cheguei ao Brasil. O objetivo da minha operação era provar que a política exterior dos EUA na América Latina passou por uma fundamental reavaliação e transformação desde a morte do presidente John F. Kennedy. Nós queríamos destacar que a política dos EUA era uma de exploração e interferência nas condições internas dos países Latinos Americanos. De acordo com esta teoria que forjamos, o Secretário de Estado Thoman A. Mann era o autor e o diretor desta nova política. Nós queríamos dar a impressão que os EUA estavam impondo uma pressão econômica injusta na América Latina com políticas que eram desfavoráveis para investimentos do capital privado dos EUA. Nós também queríamos criar a impressão que os EUA estavam empurrando a Organização dos Estados Americanos (OAS) para uma atividade mais anticomunista enquanto a CIA estava planejando golpes contra os regimes do Chile, Uruguai, Brasil, México e Cuba. A operação foi desenvolvida para alertar o público da América Latina contra a nova linha dura da política dos EUA, para incitar mais intensamente as revoltas antiamericanas e para deixar a impressão que a CIA era um notório gerador de intrigas antidemocráticas.

A operação se baseou em canais anônimos para disseminar uma série de falsificações. A primeira falsificação, uma nota pública da Agência de Informação dos EUA (USIA), totalmente falsa, foi lançada no Rio de Janeiro e continha os princípios fundamentais da "nova política externa dos EUA". A segunda falsificação foi uma série de circulares publicadas nominalmente por uma organização totalmente inventada chamada "Comitê para a Luta Contra o Imperialismo Americano". O propósito declarado desta organização, que não existia realmente, era alertar o público da América Latina sobre a existência de centenas de agentes da CIA, DoD e do FBI que estavam disfarçados como diplomatas. A terceira falsificação foi uma carta, alegadamente escrita pelo J. Edgar Hoover, diretor da FBI, para Thoman A. Brady, um funcionário da FBI. A carta parabenizava o FBI e a CIA pela execução com sucesso do golpe no Brasil em abril de 1964.

A nota forjada foi mimeografada, no Rio de Janeiro, e distribuída por volta de fevereiro de 1964 num envelope falso, simulando um envelope da USIA e enviado para alguns jornais e políticos brasileiros previamente selecionados. Uma carta foi anexada e era alegadamente de um funcionário da USIA dizendo que o chefe da missão, que era dos EUA, tinha dado sumiço a este documento por que ele continha muitas informações perigosas. Ele revelava que conseguiu reter várias cópias e que estava liberando para a imprensa por que ele estava convencido que o público deveria conhecer a verdade. Ou seja, o escritor anônimo dizia que ele não podia declarar seu verdadeiro nome por que corria o risco de perder o emprego.

No dia 27 de fevereiro de 1964, esta falsificação apareceu no jornal Brasileiro "O Semanário" com a seguinte chamada "Mann começa linha dura nos EUA: Nós não somos sacoleiros para sermos comprados" e um ataque antiamericano acompanhou o texto da nota pública totalmente falsa. Vários dias depois, em 2 de março de 1964, Guerreiro Ramos, um membro do Partido Trabalhista do Brasil da época, durante um discursou, comentou da nova política atribuída ao Thoman Mann e conclui que os EUA tinham, obviamente, retornado a linha dura do John Foster Dulles após a morte do presidente John F. Keneddy. (Ele depois reconheceu o seu erro e explicou que as declarações atribuídas ao Thoman Mann foram baseadas num documento falso). Numa declaração publicada em 3 de março, o embaixador dos EUA do Rio de Janeiro respondeu a várias pessoas do governo do Brasil que Mann nunca propôs tal políticas e que a embaixada nunca emitiu aquelas notas.

[...]

Em julho de 1964, o público da América Latina recebeu uma "prova" adicional das atividades subversivas dos EUA na forma de duas cartas forjadas assinadas pelo J. Edgar Hoover. Ambas foram endereçadas para Thomas Brady, um funcionário do FBI. A primeira, datada de 2 de janeiro de 1961, foi uma mensagem parabenizando, na ocasião, o seu vigésimo aniversário de serviço para o FBI. A intenção desta carta era dar mais credibilidade a uma segunda carta, datada de 15 de abril de 1964, para a mesma pessoa:

Querido Mr. Brady: Eu gostaria de aproveitar este meio para expressas meus sentimentos para cada um dos agentes alocados no Brasil pelos serviços tão bem prestados no "Grande Reparo". A admiração que tenho pela maneira tão dinâmica e eficiente em que esta operação de larga escala foi administrada, numa terra estrangeira e sob condições tão severas, me faz parabenizá-los. O pessoal da CIA fez a sua parte muito bem e conseguiu um grande acordo. Porém, os esforços de nossos agentes foram especialmente valiosos. Eu estou particularmente satisfeito que a nossa participação neste caso permaneceu secreta e que a Administração não precisou dar nenhuma negativa pública. Nós podemos nos orgulhar da parte vital que o FBI está fazendo em proteger a segurança da nossa Nação, até mesmo além das nossas fronteiras. Estou totalmente ciente que nossos agentes fazem diversos sacrifícios pessoais enquanto estão cumprindo suas missões. As moradias no Brasil não são as melhores, mas é encorajador ver a lealdade e a tua contribuição é uma vital, até mesmo glamorosa, para o serviço do teu país. É este o espirito que hoje habilita o Gabinete a gerenciar tão bem todas as suas grandes responsabilidades.

Como o texto deixa claro, a intenção da falsificação era provar que houve envolvimento direto dos EUA na retirada do João Goulart do governo Brasileiro. O serviço da Checoslováquia preferia realmente ter posto toda a culpa na CIA, mas a razão para incluir o FBI na conspiração dos EUA é até engraçada - o serviço não possuía nenhum papel de carta da CIA na época. A falsificação e uma das circulares mencionadas anteriormente apareceu no jornal Argentino "Propositos" em 23 de julho. Foi seguido por uma reação em cadeia nos jornais da América Latina por conta dos jornalistas que começaram a espalhar "a nova onda de atividade subversiva dos EUA".

Jornais onde está carta falsa gerou notícia:
Ultima Hora, Santiago, 24 de Julho de 1964
Vistazo, Santiago, 27 de Julho de 1964
El Siglo, santiago, 28 de Julho de 1964
El Popular, Montevidéu, 28 de Julho de 1964
Prensa Latina, Montevidéu, 28 de Julho de 1964
Marcha, Montevidéu, 31 de Julho de 1964
Epoca, Montevidéu, 1 de Agosto de 1964
Combate, Santiago, 1 de Agosto de 1964
El Siglo, Santiago, 2, 4 e 6 de Agosto de 1964
El dia, Cidade do México, 17 e 20 de Janeiro de 1965
La Gacota, Bogotá, em Março e Abril de 1965
e provavelmente muitos outros