sábado, 11 de fevereiro de 2012

As guerras não são "os maiores assassinos do século XX"

Publicado no "The Wall Street Journal" em 7 de Julho de 1986.
Este texto foi baseado num estudo piloto que subestima em mais ou menos 42% os resultados finais.

http://www.hawaii.edu/powerkills/WSJ.ART.HTM

As guerras não são "os maiores assassinos do século XX"
por R.J. Rummel

O século XX foi conhecido por suas guerras absolutas e sanguinolentas. A Primeira Guerra Mundial viu mais de nove milhões de pessoas morrerem em batalhas, um incrível recorde que foi ultrapassado décadas depois pelos 15 milhões de mortos ao fim da Segunda Guerra Mundial. No século XX até mesmo o número de mortos por revoluções e guerra civis chegou ao seu nível histório. No total, as batalhas deste século, contando todas as guerras internacionais e domésticas, revoluções e conflitos violentos, mataram 35.654.000 pessoas.

Apesar desta vasta quantidade de mortes em guerras durante o periodo de vida de algumas pessoas que ainda estão vivas, o mais inacreditável é o seguinte fato: a quantidade de mortos nesse século por governos absolutistas ultrapassa em muito a quantidade de mortos em todas as guerras, domésticas e internacionais. Na verdade, este número já se aproxima do que poderia ser morto numa possível guerra nuclear.

A Tabela 1 sumariza os totais relevantes e classifica pelo tipo de governo (seguindo a definição da Freedom House) e guerra. Ser morto por um governo significa qualquer assassinato por um agente governamental, diretamente ou indiretamente, ou ser morto com a conivência do governo. Porém, foi contabilizado apenas quando o número de mortos ultrapassa a casa das 1.000 pessoas, exceto execuções, que são consideradas atos criminais (assassinato, estupro, espionagem, traição etc...). Estas mortes são tratadas aparte da jornada de ações e campanhas militares, ou como parte de algum conflito. Por exemplo, os Judeus que Hitler devastou durante a Segunda Guerra Mundial seriam contabilizadas porque foram sistematicamente mortos e sem nenhuma relação com o conflito da Segunda Guerra Mundial.

Os totais da tabela são baseados num levantamento nação à nação e são absolutamentos as estimativas mais baixas possíveis, o que pode menosprezar por mais ou menos 10% ou até mais o valor real. Mesmo assim, essa estimativa não leva em consideração as penúrias de 1921-1922 e 1958-1961 da União Soviética e da China que causaram 4 milhões e 27 milhões de mortes cada uma. A penúria soviética foi causada principalmente pela imposição de um política econômica agricultural, confiscações forçadas de comida e campanhas de liquidações dos Chekas; a chinesa foi causada inteiramente pela destrutiva política do Mao conhecida como o "Grande Salto para Frente" e sua estratégia de coletivização.

Apesar disso, a tabela 1 inclui a fome generalizada planejada e administrada pelo governo Soviético na Ucrânia em 1932 como uma forma de quebrar a oposição e destruir o coletivismo Ucraniâno. Como aproximadamente uns 10 milhões de pessoas morreram de fome ou morreram por doenças relacionadas a fome, eu estimo que 8 milhões de pessoas morreram neste caso. Se tivessem sidos todos mortas com um tiro, o governo Soviético não poderia ter sido mais responsável moralmente pela tragédia.

A tabela lista 831 mil pessoas mortas pelas democracias livres, o que deve alarmar a maioria dos leitores. Essa estimativa envolve o massacre Francês na Algeria antes e durante a Guerra da Algéria (no mínimo 36 mil mortos) e todos aqueles mortos depois de terem sido repatriados para os Soviéticos pela Aliança Democrática durante e depois da Segunda Guerra Mundial.

É revoltante saber que por diversas vezes - e até mesmo ultrapassando o zelo pelo Acordo de Yalta assinado por Stalin - Churchill e Roosevelt, a Aliança Democrata, particularmente a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, devolveram aos Soviéticos mais de 2.250.000 cidadões, prisioneiros de guerra e exilados Russos (que não eram cidadões Soviéticos) encontrados nas zonas da Aliança por toda a Europa. A maioria dessas pessoas estava aterrorizada com as consequencias de ser repatriado e se recusou a cooperar; normalmente a família por completa comitia suicídio. Dos repatriados, estima-se que 795.000 foram executados ou morreram em campos de trabalho forçado (escravidão) ou a caminho deles.

Se um governo deve ser responsável pelos seus prisioneiros que morreram sendo carregados ou em campos de escravidão, certamente os governos democráticos que jogaram pessoas indefesas nas mãos de ditadores totalitários e que conhecia o perigo disto, devem ser responsabilizados por estes atos.

Sobre as estatísticas de mortalidade que são mostradas nesta tabela, é realmente triste que centenas de milhares de pessoas possam ser mortas pelos governos sem que seja gerado nem um murmurinho sequer, enquanto uma guerra que mata algumas milhares de pessoas cause um imediato clamor mundial e uma reação global. Contraste a atenção internacional para a relativamente pequena guerra nas Ilhas Falkland entre Inglaterra e Argentina com a total falta de interesse: no assassinato dos Burundis; ou com o interesse na morte de mais de 100.000 Hutus em 1972; ou então com o interesse da Indonésia massacrando 600.000 comunistas em 1965; ou então do Paquistão, em um bem planejado massacre, matando algo entre um e três milhoes de Bengalês em 1971.

Um exemplo digno de nota e muito mais sensível desta hipocrisia é a Guerra do Vietnã. A comunidade internacional ficou indignada com a tentativa Americana de prevenir que o Vietnã do Norte tomasse controle do Vietnã do Sul e depois do Laos e da Cambódia. "Pare a Matança" era o grito. A pressão da oposição, tanto interna quanto externa (em relação aos EUA), forçou a retirada das tropas Americanas. A quantidade de mortos na Guerra do Vietnã, nos dois lados, foi de mais ou menos 1.216.000 pessoas.


Com a subsequente recusa dos Estados Unidos de ajudar, mesmo modestamente, o Vietnã do Sul foi derrotado militarmente e totalmente engolido pelo Vietnã do Norte; a Cambódia foi tomada pelos comunistas do Khrmer Vermelho, que tentando recriar um comunismo primitivo sobre uma sociedade agrária dilaceraram algo entre um e três milhões de Cambojanos. Se pegarmos a média de 2.000.000 como a melhor estimativa, então em quatro anos o governo deste pequena nação de sete milhões de pessoas, sozinho matou 164% o que a guerra de dez anos no Vietnã matou.
No geral, a melhor estimativa dos mortos depois da Guerra do Vietnã pelos comunistas somando o Vietnã, Laos e Camboja é de 2.270.000. Ou seja, totalizando o dobro dos que morreram na Guerra do Vietnã, porém a matança comunista ainda continua.


Para ver esta hipocrisia por uma outra perspectiva, ambas Guerras Mundiais custaram vinte e quatro milhões de vidas em batalha. Porém, entre 1918 e 1953, o governo Soviético executou, dilacerou, esfomiou, torturou até a morte ou matou de forma geral 39.500.00 pessoas do seu próprio povo (minha melhor estimativa entre 20 milhões mortos somente pelo Stalin até um total de 83 milhões por todo o período comunista). Para a China sob o comando de Mao Tse-Tung, o governo comunista eliminou, mais ou menos 45.000.000 de chineses. O número de apenas estas duas nações é mais ou menos 84.500.000 de seres humanos, ou 352% mais mortes do que as duas Guerras Mundiais juntas. Ainda assim, têm os intelectuais pelo mundo mostrado o mesmo horror, a mesma raiva, a mesma quantidade torrencial de escritos pacifistas contra os mega-assassinos governos da União Soviética e da China?

Como pode ser visto na Tabela 1, governos comunistas são, em geral, quatro vezes mais letais para seus cidadões do que governos não comunistas, e numa relação per capita são praticamente duas vezes mais letais (mesmo considerando as imensas populações da Rússia e da China).
Porém, mesmo sendo enorme taxa per capita dos países comunistas, ela fica muito próxima de outros governos não-livres. Isso se deve ao fato dos massacres e da matança generalizada no pequeno país do Timer Leste, onde desde de 1975 a Indonésia eliminou (além da guerrilha e sua violência associada) mais ou menos 100.000 Timerenses, numa população de apenas 600.000 pessoas. Retirando apenas este pequeno país a taxa dos países não-livres e não-comunistas cai para 397 por 10.000, ou seja, muito menos do que os 477 por 10.000 dos governos comunistas.
Em todo caso, ainda podemos ver pela tabela que quanto mais livre é uma nação, menos pessoas são mortas pelo governo. As liberdades previnem o uso do poder pela elite governamental para aspirar suas políticas e garantir seu comando.


Este princípio aparamente foi violado nos dois casos supra-citados. Um foi o governo Francês que causou uma matança generalizada na sua colonia Algéria, onde comparados com os franceses, os algerianos eram cidadões de segunda classe, sem direito de voto nas eleições fancesas. No outro caso a Aliança Democrática durante e depois da segunda guerra mundial, de maneira secreta, devolveu diversos estrangeiros para os governos comunistas. Estes estrangeiros, claro, por serem estrangeiros não tinham nenhum direito como cidadões que os protegiam nas democracias. Porém não encontrei nenhum caso de governos democráticos que praticaram massacres, genocídios ou execuções em massa dos seus próprios cidadões; nem encontrei nenhum caso de uma política governamental que tenha causado de maneira conhecida e direta a more em larga escala da população por privação, tortura, espancamento etc...

Absolutismo não é somente muito mais mortal que guerras, como é a maior causa de guerras e outras formas de conflitos. É a maior causa da corrida armamentista. Na verdade, absolutismo, e não guerra, é o flagelo mais mortal criados pela humanidade.
Sabendo disto, a corrida e o estímulo por liberdades civis e direitos políticos de maneira pacífica e sem violência deve ser o nosso maior objetivo. Não somente pela maior felicidade, não somente para obedecer o imperativo moral dos direitos individuais, não somente pela superior eficiência e produtividade de uma sociedade livre, porém também e principalmente para preserver a paz e a vida.
TABELA 1