segunda-feira, 25 de março de 2019

Relatório ultra-secreto sobre o 31 de Março de 1964

Original:
https://stbnobrasil.com/pt/relatorio-ultra-secreto-sobre-o-31-de-marco-de-1964

Fragmento do livro:
Capítulo XX – 1963-1964 – O GOLPE: ANTES, DURANTE E DEPOIS.

Nos acervos de documentos do gabinete de Antonín Novotný, primeiro-secretário do Partido Comunista da Tchecoslováquia, existe uma análise elaborada para o Comitê Central com o título: “Motivos da vitória do golpe brasileiro e a situação atual”. Esta análise foi elaborada por um autor desconhecido, mas o fato de ter sido enviada à autoridade mais importante na Tchecoslováquia significa que foi o material com mais credibilidade na época. É certo que o autor tinha acesso tanto aos materiais da StB como a informações da embaixada e do partido comunista brasileiro. Provavelmente, foi redigi­do pelo agente Mané – Miroslav Štráfelda, correspondente da Agência de Imprensa Tchecoslovaca no Brasil, expulso do país em maio de 1964. Era comum a prática de correspondentes das mídias comunistas escreverem textos especiais destinados apenas a leitores selecionados — para a diretoria do partido, diretoria da agência de imprensa ou do jornal para o qual tra­balhavam – com informações objetivas que, obviamente, não chegavam à opinião pública. É esse também o caso de “Motivos da vitória do golpe brasileiro…”.

Antonín Novotný, Primeiro-Secretário do Partido Comunista da Tchecoslováquia de 1957/1968, e Nikita Khrushchov, Primeiro-Secretário do Partido Comunista da União Soviética de 1953/1964.

Arquivo Nacional da República Tcheca.

O documento era ultra-secreto, destinado somente à elite partidária. O estilo — quase literário — no qual foi escrito, em 9 de junho de 1964, parece confirmar a hipótese sobre o autor, assim como alguns fragmentos do material, em que o tal cor­respondente é citado de maneira sugestiva. No segundo período do texto, podemos ler as seguintes palavras dramáticas:

“Praticamente sem nenhum disparo (…), sem qualquer tipo de manifestação da vontade do povo, Goulart, juntamente com toda a esquerda brasileira, foi nocauteado em um prazo de 24 horas. Igualmente rápidos e surpreendentes foram o contra-ataque, as perseguições e a liquidação de tudo o que era, pelo menos, levemente esquerdista…”.

Entre os motivos mais importantes do desenrolar destes acontecimentos, o autor inclui:

A “Hesitação típica de Goulart e a sua incapacidade de levar as coisas até o fim”, são seguidas pela descrição da reação da imprensa “(…) Em vez de uma ordem imediata para a luta, em vez de conduzir o povo trabalhador para as ruas e convocar um levante nacional, em vez de armar os trabalhadores imediatamente, a rádio do governo, até quando ali apareceram alguns oficiais e bateram no locu­tor, transmitia somente juramentos patéticos de lealdade a Goulart, o que não ajudou em nada o confronto contra as bazucas e tanques dos oficiais”. Em vez de irem à luta, os trabalhadores jogavam bola, acreditando que Goulart resolveria tudo por eles. Na opinião do autor da análi­se, esta imprudência foi uma característica de todos — inclusive dos ativistas partidários.
Houve uma confusão entre duas atitudes diferentes. Uma coisa era o sentimento das massas — claramente esquer­dista — e outra era a verdadeira vontade e organização para a luta. Ele também culpa o partido comunista por esse equívoco, e calcula que as maiores manifestações da esquerda, em um Rio de Janeiro com 3.6 milhões de habi­tantes, reuniram no máximo 10 mil pessoas – foi o caso da manifestação de 1º de maio de 1963. Ao escrever o traba­lho, anotou com ironia que várias vezes havia visto pique­tes da esquerda em que a tribuna com os ativistas era mais numerosa do que as pessoas reunidas diante dela.

A base da falência da esquerda foi a sua falta de orga­nização. “Não se podia sequer falar em derrota, pois a derrota pressupõe uma luta, e no Brasil houve so­mente uma tomada pacífica de poder pela direita”. O regime de Goulart garantia liberdade para os dois la­dos, e a esquerda (PCB, UNE, CGT, frente parlamentar nacionalista, Ligas Camponesas e Brizola), que tinha pos­sibilidades de se organizar e tinha o apoio silencioso do governo, brigava entre si pelo posto de liderança em vez de fazer um trabalho efetivo de organização. Um exem­plo da indisciplina fundamental é nenhuma reunião par­tidária começar no horário marcado. O atraso costumava ser de duas horas: metade das pessoas já haviam saído, enquanto a outra metade estava chegando. Essa estava longe de ser a mesma capacidade de organização do Par­tido Comunista da Tchecoslováquia, que, em fevereiro de 1948, efetuou o golpe de estado com bravura.

O “deslocamento militar de forças” falhou. Goulart su­bestimou o papel dos oficiais nas forças armadas, e, atra­vés de sua atitude pouco decisiva, fez que as forças arma­das também não ficassem a seu lado de forma decisiva.

Além desses quatro pontos, o autor do relatório também fez referência às possíveis influências externas:

“No exílio, Goulart disse que as influências estrangeiras cumpriram um papel decisivo. Eu acho que essa é uma desculpa barata para ele e para a esquerda, mesmo que o tema certamente existisse. As condições externas sempre agem através das internas. Caso — assim como os informantes nos garantiam o tempo todo — uma massa de 40 milhões de brasileiros levantasse para a luta, os truques diplomáticos do exterior não serviriam de nada. Dizem que, nos dias críticos, funcionários da embaixada americana caminharam pelas ruas e ofereceram aos oficiais maços de dezenas de milhares de dólares para que passassem para o lado da reação. Talvez tenham sido feitos outros movimentos mais elaborados, sobre as quais ainda não se sabe. Mas é fato que os motivos principais devem ser procurados na situação interna”.


Carlos Lacerda na defesa do Palácio da Guanabara durante o 31 de Março.

A falta de decisão e de vontade para a luta são também descritas no seguinte fragmento:

“Enquanto o governador Lacerda construiu uma barricada em seu palácio com a ajuda de veículos para transportar lixo e com dois revólveres e uma pistola automática, permanecendo ali com a sua Secretária de Serviços Sociais, Sandra Cavalcanti, durante 52 horas, a fortaleza-chave Copacabana, leal a Goulart, foi conquistada da seguinte maneira: aproximadamente às 15 horas chegou ali, de Volkswagen, um sub-coronel, sozinho. Desceu do carro com um revólver na mão esquerda, com a direita deu um tapa no rosto do soldado que estava de guarda, entrou, entendeu-se com os oficiais e… a fortaleza caiu. Este foi um sinal para os oficiais do I Exército, para que passassem para o lado da contra-revolução”.

Na parte seguinte do relatório existe uma observação referente à estrutura do novo governo, que naquele momento ainda não estava completamente estabelecida. O autor incluiu entre os inspiradores do golpe o governador Magalhães Pinto (Minas Gerais), e não falou muito bem da polícia, que começou a perseguir a oposição de esquerda. Um acontecimento exem­plifica a incapacidade dos policiais:

Livro Em Cima da Hora, traduzido por Carlos Lacerda.

“A polícia política é composta de analfabetos políticos! Em 30 de abril foi preso Ribeiro, um vendedor de livros do Rio de Janeiro, porque tinha em sua loja um livro anti-soviético chamado: Em cima da hora, traduzido pelo próprio Lacerda. Ele foi preso porque na capa do livro havia o martelo e a foice”.

Vladimír Petrilák


Relatório sobre o Golpe Militar de 09/06/01964 (1ª folha). Arquivo Nacional da República Tcheca, nº do acervo: 1261/0/44, Partido Comunista da Tchecoslováquia – Comitê Central – Gabinete do primeiro secretário do comitê central do partido comunista da Tchecoslováquia.