domingo, 14 de junho de 2020

Intervenção Cubana no Brasil antes de 1964

Original:
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Obrigado, dona Cecília


Os defensores da guerrilha brasileira, por exemplo, alegam que ela foi reação legítima contra a ditadura. Mas como poderia sê-lo, se já existia antes da ditadura, no tempo de João Goulart, em plena vigência das liberdades democráticas? Então ela já era dirigida e financiada desde Cuba. Eu e muita gente na esquerda sempre soubemos disso, mas era proibido falar. Se déssemos com a língua nos dentes, desmantelaríamos nossa própria retórica, confessando que a abominável “direita” tinha dito a verdade, que as guerrilhas não eram reação nenhuma contra a ditadura, que a ditadura é que era uma reação legítima contra uma agressão internacional. Para ocultar isso, não só mentimos na ocasião, mas continuamos mentindo durante vinte anos. Com uma diferença: eu parei; vocês continuam. A pesquisadora Denise Rollemberg, que segundo leio em Elio Gaspari foi a primeira a conseguir investigar o assunto depois de três décadas de compacta censura, diz que esses “episódios são guardados a sete chaves e quem conhece não fala”. Não fala, para “não dar armas ao inimigo”. No meu tempo de militância, essa desculpa justificava tudo. Éramos adestrados para sobrepor, ao critério verdade-falsidade, o par schmittiano amigo-inimigo. Esse adestramento é o pai de todos os totalitarismos, de todas as tiranias, de todas as mentiras ideológicas. E nós o aceitávamos como o mais alto padrão de moralidade concebível, cobrindo de injúrias quem não se enquadrasse nele. O seu maldito “grupal/coletivo”, dona Cecília, não é outra coisa senão o sindicato dos adestradores.

Traição sem fim


Em carta publicada no GLOBO do último dia 21, a professora Denise Rollemberg esclarece que é minha e não dela a conclusão que tirei do seu livro “O apoio de Cuba à luta armada no Brasil” e segundo a qual “a ação conjunta dos militares (em 1964) resultou da intervenção cubana na guerrilha, e não esta daquela”. Ela nem precisava ter dito isso. Uma convenção universal do ofício pensante reza que aquilo que um autor infere de fatos alegados por outro é de inteira responsabilidade do primeiro. Mas a professora Denise não haverá de se magoar comigo se eu acrescentar que, arcando com a responsabilidade das conclusões, levo também o mérito que possa haver nelas. Inversa e complementarmente, recai sobre ela a responsabilidade — bem como o mérito, se algum há nisso -— de recusá-las contra os fatos que as impõem.

No seu livro, a professora Denise, logo após reconhecer que o governo de Cuba participava de ações revolucionárias no Brasil desde 1961, escreve: “Após 1964, a esquerda tendeu, e tende ainda, a construir a memória da sua luta, sobretudo, como de resistência ao autoritarismo do novo regime… No entanto, a interpretação da luta armada como essencialmente de resistência deixa à sombra aspectos centrais da experiência nos embates travados pelos movimentos sociais de esquerda no período anterior a 1964.

Traduzido do peculiar idioma universitário nacional — o único, no mundo, em que ambigüidade é sinônimo de rigor — que significa esse parágrafo senão que a esquerda brasileira, com a ajuda de Cuba, tentava conquistar o poder por via armada desde três anos antes do golpe militar e que, depois dele, passou a usar o novo regime como pretexto retroativo para alegar que fora compelida ao uso das armas, a contragosto, com lágrimas de piedade nos olhos, pela supressão autoritária de seus meios incruentos de luta?

A esquerda, enfim, mentiu durante quase 40 anos, enquanto a direita, a execrável direita, simplesmente dizia a verdade ao alegar que o golpe de 1964 fora uma reação legítima contra uma revolução em curso que não se vexava de recorrer à violência armada com a ajuda clandestina de uma ditadura estrangeira.

Nada, absolutamente nada nesses fatos permite concluir, com a professora Denise, que “o apoio que o governo cubano deu a guerrilheiros no Brasil, em três momentos diferentes, não poderia explicar — e muito menos justificar — a ação dos militares”. A idéia mesmo de que uma ingerência armada de país estrangeiro não explique nem justifique uma reação igualmente armada da nação ofendida é, por si, suficientemente extravagante para não precisar ser discutida: sua expressão em palavras já basta para impugná-la no ato.