sexta-feira, 10 de março de 2017

Revelando os Agentes

Original:
http://stb.cepol24.pl/pt/revelando-os-agentes

REVELANDO OS AGENTES

Ao publicar informações sobre o trabalho do serviço de inteligência tchecoslovaco no Brasil e na América Latina, logicamente fazemos surgir perguntas sobre concretos colaboradores entre as fileiras de cidadãos brasileiros e de outros países da América do Sul. É óbvio que nenhum serviço de inteligência pode realizar seu complexo trabalho sem as pessoas certas que, no modo de ver da inteligência, ocupam uma posição importante ou útil (para o serviço de inteligência estrangeiro) nas estruturas da sociedade. Isso pode fazer com que os objetivos sejam alcançados e, pode trazer vantagens (às vezes mútuas) para a inteligência estrangeira e para dado colaborador.  E também pode causar danos – para dado país e, sem dúvidas, também para a psique do agente.
O colaborador – um cidadão brasileiro – trabalhava para a StB por diversas razões. A motivação ideológica foi um fenômeno comum. Isso significa que tratava-se de uma pessoa descrita nos documentos da StB como sendo progressista, de convicções esquerdistas (mas atenção: filiados a partido comunistas não eram recrutados) ou nacionalista – era justamente destes ambientes que vinham pessoas com tendências hostis aos EUA e à sua política na América do Sul, e isso já colocava o candidato a colaborar em uma posição de aliado do bloco socialista. Ou seja, essas eram pessoas que concordavam em colaborar com o serviço de inteligência estrangeiro não por dinheiro, mas por um ideal. Logicamente os funcionários tchecoslovacos da inteligência persuadiam essas pessoas de que, caso colaborassem, não prejudicariam o Brasil, mas sim os Estados Unidos e os seus aliados do imperialismo que era o inimigo de todas as pessoas progressistas no mundo. Esses casos representam a maioria das pessoas durante a história dos quase vinte anos da atuação da StB no Brasil.

Recibo no valor de 200 dólares americanos firmado por um agente, no Rio de Janeiro, datado 22 de abril de 1969.

Muitas vezes, acontecia que, com o passar do tempo, o dito entusiasmo ideológico diminuía e o dado agente começava a exigir ( e recebia) pagamentos financeiros por seus serviços. Também aconteciam casos onde realmente a colaboração tinha motivação unicamente ideológica – nesta situação o agente recebia presentes (cigarros americanos, álcool, louça tcheca, discos gramofônicos, etc.) ou outro tipo de benefício, como, por exemplo, viagem e estadia pagas para a Tchecoslováquia ou para outro país do bloco da Europa oriental. Isso não significa que um colaborador como este nunca recebia dinheiro da StB –  pagavam-lhe, por exemplo, os gastos necessários para que mantivesse contatos importantes, graças aos quais adquiria informações: como as despesas para um convite de jantar em um restaurante – ou viajar para algum lugar – geralmente estes gastos eram reembolsados. Certamente, em muitos casos, os agentes identificavam os valores gastos exageradamente,  os oficiais da StB tinham consciência do fato e, mesmo assim, pagavam o valor a maior, pois entendiam que era necessário para poder comprometer ainda mais o agente e chantageá-lo se preciso. Nesses casos, os oficiais da inteligência tchecoslovaca exigiam uma assinatura do colaborador em um recibo, com a declaração de que o dinheiro lhe fora entregue. Primeiro, isso era uma exigência da central para controle dos gastos operacionais de inteligência e, segundo, uma assinatura como essa era um material comprometedor a mais, algo que vincularia o agente a ser leal perante o seu chefe estrangeiro. Também existiam pessoas que trabalharam em prol da StB unicamente por motivos financeiros.


É necessário esclarecer ainda uma questão técnica: cidadãos brasileiros estão relacionados com o trabalho de toda a polícia da StB: eram objeto de interesse tanto do  Departamento I, ou seja, o serviço de inteligência que operava principalmente no exterior, como também do Departamento II, a contraespionagem tchecoslovaca, que por sua vez, ocupava-se dos cidadãos brasileiros que se encontravam na Tchecoslováquia. E por isso que nas páginas de internet do Arquivo dos Serviços de Segurança tcheco, o ABS  ( órgão vinculado ao Instituto de Pesquisas de Regimes Totalitários – ÚSTR ) podemos encontrar muitos nomes, que soam como de brasileiros ou portugueses, com diferentes números de registro. Através do registro em duas fontes básicas de dados disponíveis já é possível ter uma orientação se era o serviço de inteligência no exterior ou a contraespionagem que se interessava pela pessoa. Em outras palavras: se a pessoa foi “trabalhada” (observada, monitorada) no Brasil ou na Tchecoslováquia. Na página da  ABS é possível encontrar dois tipos de registros:
– no Diário de registros (em tcheco: Protokol registrace osobních svazků tajných spolupracovníků);
– no Diário de arquivos (po czesku Archivní protokol svazků spolupracovníků).
Ambos os livros foram conduzidos separadamente para colaboradores secretos, para casos operacionais, bases de objetos de interesse e para correspondências operacionais.


No Diário de registros foram anotados cronologicamente os casos e pessoas que o serviço de inteligência começou a “trabalhar” ou teve um interesse em geral por eles. Isso significa que o nome de uma pessoa pode existir em alguns livros; vamos demonstrar isso através de um exemplo. A StB “trabalhou”, entre outros, o ambiente jornalístico brasileiro. Ou seja, o  serviço de inteligência se interessou por determinadas redações de jornais e por pessoas que nelas trabalhavam. Um destes objetos de interesse foi por exemplo, o jornal “Última Hora”. Como um jornal é formado por pessoas, a StB também teve que se interessar por pessoas concretas ligadas a este jornal. Este tipo de verificação era anotado na pasta de objetos dedicada ao ambiente jornalístico, a saber na subpasta do objeto “ambiente jornalístico”. Então esta pessoa, como um tipo – figurante –, ou seja, alguém por quem a StB estava interessada, possuía a sua subpasta na pasta de objeto. Aqui então não se tratava de um agente, mas somente de uma pessoa que era por algum motivo, relevante ou interessante para a StB. Caso fosse possível “trabalhar” esta pessoa a tal ponto para que pudesse ser recrutada e adquirida como agente, era aberta uma nova pasta: desta vez, uma pasta pessoal de agente. Ou seja, a pasta do agente. Este fato era novamente anotado no Diário de registros. Os Diários de arquivo, por sua vez, serviam para anotar o fato do envio da pasta para o arquivo. Isso significa, que o caso relacionado com o objeto de interesse, pessoa ou correspondência, etc… foi encerrado. Os motivos eram diversos: o agente faleceu, recusou-se a colaborar, houve uma de desconspiração (foi descoberto), o serviço de inteligência deixou de se interessar por algo ou por alguém, etc. Em um caso como este, era encerrado e a documentação com ele relacionado era arquivada e isso ficava anotado no Diário apropriado. Sendo assim, dado nome ou dado caso, anotado nos Diários de registro, deixavam a sua marca, desta vez, nos Diários de arquivo. Aconteciam casos em que, após alguns anos de arquivamento, a pasta “revivia” e era posta novamente em circulação, surgindo assim uma nova anotação no Diário de registros.  É por isso que existe a possibilidade de um nome aparecer varias vezes durante uma busca na página de internet do ABS.

Capa de um Diário de registro de agentes.

Durante a existência da StB (1945- 1989/1990), o sistema de registros passou por mudanças, mas para nós o importante é que o serviço de inteligência, ou seja, o Departamento I (1. správa MV), registrou os seus colaboradores – agentes com números de registro com 5 dígitos que iniciavam com o número 4. Ou seja, começando a partir do número 40001, neste sistema eram registrados os agentes tchecos e estrangeiros, que trabalhavam em prol do serviço de inteligência no exterior. Então, caso exista, ao lado de um nome, o número de registro  40001 em diante e como órgão que direcionou o registro ao Diário conste: 1. Správa SNB ou 1. Správa MV ou 1. Správa FMV (SNB para Forças de Segurança Nacional,  MV para Ministério do Interior, e, a partir do ano de 1968, FMV para Ministério Federal do Interior), significa que, sem dúvidas, estamos lidando com um colaborador secreto e consciente do serviço de inteligência tchecoslovaco. Pois era assim que esta pessoa era avaliada pela StB, já que registrar alguém na lista de agentes exigia a confirmação do chefe da inteligência: por regra, era o Ministro do Interior.
Informamos ainda que, quanto aos agentes tchecos, geralmente funcionava uma prática, ao se iniciar a colaboração com a StB era confirmado através da assinatura do agente em uma declaração de colaboração ou juramento de manter o seu sigilo (ocultar o fato de contato com a StB); por outro lado, no que diz respeito a cidadãos estrangeiros este compromisso formal por escrito não era exigido. Neste caso, a StB atuava conforme as diretrizes nas quais estava escrito que a assinatura de estrangeiros não era exigida.
            Sendo assim, quando encontramos na página de internet do ABS, em qualquer diário, o nome de uma pessoa junto a um número de cinco algarismos, começando pelo número quatro e quando o órgão junto ao nome ou ao codinome for  1. správa, podemos ter certeza de que, na avaliação da StB, tratava-se de um colaborador secreto do serviço de inteligência, de um agente ou de um contato confidencial.
Para que fique mais claro é bom ainda descrever o significado de outros números de registro usados pelo serviço de inteligência. Os números de cinco algarismos usados pela inteligência que comecem com o número Um significavam uma pasta conduzida para um objeto (ou seja, direcionada para um ambiente da sociedade). Tratavam-se de objetos como: parlamento, gabinete presidencial, políticos, Ministério de relações exteriores, jornalistas, empresas, forças armadas, polícia, movimentos sociais (por ex. Ligas Camponesas), etc… O número Dois também estava relacionado com pastas de objetos. Três estava relacionado com números de pastas pessoais de funcionários de carreira: ou seja, oficiais do serviço de inteligência. As pastas eram abertas para aqueles oficiais que eram enviados para postos no exterior, principalmente diplomáticos. Quatro: já tratamos acima. Cinco e Seis também eram pastas pessoais. Estes números desapareceram durante a última reforma do sistema de registros em 1988. Sete era o início dos números de registro destinados a moradias conspiradas. Oito, pastas de correspondência operacional – geralmente correspondências entre a central e a rezidentura. O número Nove, por sua vez, estava destinado a operações ativas e operações de influência. As pastas Nove foram as que menos se conservaram no arquivo. As pastas que eram divididas em várias partes também tinham as suas regras, mas agora não iremos nos ocupar destes detalhes.
É ainda necessário informar que, algumas vezes,  uma pessoa com o status de figurante (em tcheco: typ), ou seja, uma pessoa que estivesse sendo “trabalhada” pela inteligência, mas que ainda não era um colaborador secreto, muitas vezes era descrita nas avaliações dos órgãos que a conduziam da seguinte maneira: “trabalha como um agente, mesmo que (ainda) não o é”. Isso significa que, entre esses figurantes ou os contatos (em tcheco: styk), haviam muitas pessoas das quais os “amigos” da Tchecoslováquia se aproveitavam, delas adquirindo informações ou com elas realizando ações, o que permitiu aos oficiais da inteligência classifica-las como “contatos muito eficientes e, que, praticamente, já trabalhavam como agentes”. Muitas vezes, por diferentes motivos, o “trabalho” (ou seja, o recrutamento e a classificação de figurante para agente) não chegou a ser finalizado. Os motivos eram diversos: o figurante podia dar-se conta sobre a natureza que o contato estava adquirindo, podia se assustar ou entender que não poderia seguir adiante. Também podia adoecer, perder sua função ou emprego e desta maneira tornar-se inútil para o serviço de inteligência do país estrangeiro, poderia dizer a alguém a respeito da sua relação com um diplomata tcheco e, desta maneira, delatar o oficial da inteligência. Como podemos ver, motivos não faltavam e, agora, também é possível compreender por que os oficiais do serviço de inteligência, sob a cobertura diplomática, se esforçavam para ter o máximo possível de conhecidos e, assim, possuir uma larga base de pessoas para poderem encontrar verdadeiras pérolas: bons informantes, colaboradores e, finalmente, agentes.
Devemos entretanto lembrar que inclusive a aquisição de um agente não resolvia o problema. Pois um incrível jogo intrincado prosseguia adiante; onde as condições políticas, o ambiente dos agentes e todas as circunstâncias da colaboração mudavam com o passar do tempo. Tudo isso tinha influência sobre as condições psicológicas do colaborador. Além disso, o oficial condutor também podia cometer erros. Tudo isso interferia na qualidade da colaboração, sobre a importância do agente. Em outras palavras: é impossível avaliar igualmente a escala de colaboração de todos os agentes, colocá-los todos em um mesmo balaio. Inclusive nem a própria StB o fazia, frisando em suas avaliações que o agente XY era o melhor agente ou que o agente AB trazia mais riscos que vantagens e, é necessário pensar sobre a colaboração com ele ou limitar a mesma ou inclusive desistir deste. Todas estas circunstâncias devem ser levadas em conta e descritas detalhadamente em nossas pesquisas. Então, por um lado temos o fato indiscutível de que, na avaliação da StB, alguém tornou-se um colaborador, mas por outro lado temos a forma concreta desta colaboração. Tudo isso sobre o que estamos aqui falando é uma descrição do ponto de vista do serviço de inteligência de Praga: este, após a aprovação do Ministro, inscrevia alguém na lista de agentes e passava a conduzir a sua pasta de agente, na qual anotava todos os aspectos do trabalho em prol do serviço de inteligência tchecoslovaco. Em outros textos nossos, escrevemos que as pastas do serviço de inteligência tchecoslovaco podem ser tratadas como uma fonte confiável. Os fatos nelas descritos aconteceram e as pessoas nelas mencionadas existiram; estamos verificando tudo isso de várias maneiras. Nas pastas existem vários documentos em português. Tratam-se ou de materiais fornecidos pelos próprios agentes ou de relatórios por eles escritos. Também existem assinaturas em recibos de recebimento  de dinheiro por serviços prestados à StB.
Esse  fato, juntamente com as pesquisas do contexto dos casos, aumentam a probabilidade da veracidade do conteúdo das pastas. Mas sempre é preciso levar em conta a margem de erro. É preciso chegar a testemunhas dos acontecimentos descritos que ainda estejam vivas.


Em todos os países pos-comunistas as chamadas listas ( listas de colaboradores da polícia secreta) causam grande comoção. Espero que a leitura das observações acima descritas tenha nos demonstrado que qualquer lista pode ser tratada somente como uma ferramenta de apoio e revela que dado serviço de inteligência se interessou por alguém, mas não revela a natureza deste interesse. Pois a polícia secreta observava tanto aos inimigos do regime comunista (para tornar-se um inimigo como este, bastava ler literatura proibida) como aos seus próprios colaboradores. É a rozvědka, palavra tcheca para inteligência, ou seja, o serviço de inteligência, o qual era parte desta polícia secreta, e que tinha como escopo (entrando na etimologia da palavra, em tcheco: roz / vědka) o VĚDĚT, o saber. Saber o máximo possível sobre o país observado, por isso reunia informações usando para isso todo o seu aparelho, rede de contatos, inclusive legais, que tinha a disposição.  Ou seja, não usava somente os seus colaboradores secretos e não somente meios ilegais. Para a realização de ações de influência, ao lado de métodos ilegais, também eram usados aqueles que eram legais. Com este objetivo, era adquirido e reunido o conhecimento relacionado com um largo círculo de pessoas e objetos; nem todos eram agentes ou colaboradores conscientes. No que diz respeito a nossas pesquisas, nem todos os nomes que se encontram nos Diários de registro e Diários de arquivo da StB tchecoslovaca são nomes de agentes.
Outra questão importante: é preciso afirmar que muitos nomes interessantes não aparecem nas “listas”, ou seja, não encontram-se nos Diários de registro e de arquivo, mas os encontramos em diferentes documentos. São nomes de pessoas que não tornaram-se agentes e inclusive não foram “trabalhados” com mais profundidade, o que não significa que não possam ter tido algum papel (às vezes até importante) em operações da StB, no Brasil ou em outro lugar do mundo. Às vezes, este papel era somente um episódio, às vezes alguma forma de colaboração se estendia por mais tempo. Também acontecia de que novas circunstâncias que surgiam, impediam a possibilidade de aproveitamento da ajuda de determinada pessoa. Este é o caso de um certo jornalista brasileiro (Rui Rocha), que, no ano de 1965, possa, de uma forma inconsciente, ter ajudado em uma operação ativa. Mas aconteceu que seu irmão era estudante na Tchecoslováquia e a StB concluiu que este era um fator de risco, pois esta circunstância colocava automaticamente o jornalista em uma posição desvantajosa no Brasil da época, por isso, temporariamente, desistiu deste contato. Mas a StB reuniu informações sobre este jornalista e, o que é interessante, encontramos documentos nos quais estas informações reunidas foram descritas como “entrega de conhecimento aos amigos soviéticos”. De acordo com o título do documento elaborado no dia 8 de agosto de 1966, resulta claramente que o conhecimento sobre Rui Rocha foi entregue ao conselheiro da KGB junto à StB em Praga. É possível então afirmar que a KGB se interessava por essa pessoa, mas não sabemos com que objetivo.
Casos como este descrito acima vêm à tona somente através do estudo do conteúdo das pastas. Aqui surge uma pergunta importante sobre como encontrar pastas interessantes como esta, como chegar até elas? O buscador da página de internet do ABS possibilita a busca segundo nome, sobrenome, codinome, data de nascimento e, em primeiro lugar, segundo a unidade que fez o registro, número de registro e número de arquivo. As pastas de objetos relacionadas com o Brasil, podem ser encontradas ao escrever na rubrica de codinome (krycí jméno) ou de sobrenome (příjmení) a palavra Brazílie ou Rio de Janeiro ou outra que sugira relação com este país. A situação é facilitada através do conhecimento do número de registro; neste caso a busca resulta em quase cem por cento de acerto: trata-se de que, inevitavelmente, por causa do longo tempo em que funcionou a StB, os números podem se repetir e podem estar relacionados com diferentes pessoas. Nesta situação é preciso possuir um conhecimento, o qual com base a todas as anotações existentes nos Diários, nos permita especificar se dado número possui relação com o serviço de inteligência no exterior e com a sua secção americana; às vezes, o codinome da pessoa que ordenou a inscrição pode servir de ajuda para uma identificação exata; caso esta pessoa seja algum dos oficiais da secção sobre o serviço de inteligência americano, então podemos estar certos de que o colaborador inscrito operava em território da América Latina. Este conhecimento vem sendo adquirido por nós gradativamente e resulta da leitura das pastas e da literatura disponível sobre o assunto, assim como de consultas com historiadores e pesquisadores tchecos. O método mais lógico, mas ao mesmo tempo o mais trabalhoso, é escrever nomes concretos no buscador interno da página de internet do ABS. Só que este método é para pessoas pacientes e resistentes. Porém, é preciso dizer que foi justamente desta maneira que o pesquisador Mauro “Abranches” iniciou nossas pesquisas. O trabalho de um pesquisador é muitas vezes entediante e carente de grandes emoções: aquelas relacionadas com alguma descoberta espetacular aparecem somente depois de algum tempo; esse é o prêmio pelos esforços realizados.
É preciso ainda superar outro paradigma – publicar ou não publicar os nomes de agentes – este é o ponto mais sensível.  Por um lado, a prática das pesquisas na Europa central é de que os historiadores e pesquisadores, ao publicarem os resultados de seu trabalho, automaticamente publicam todos os nomes e dados pessoais de agentes e colaboradores da StB. Isso inicialmente causou uma certa comoção, mas com o tempo, começou a ser tratado como algo lógico: trata-se pois de mostrar completamente a verdade, de mostrar como funcionava o regime totalitário criminoso. Aqui é sempre necessário levar em conta mais uma circunstância: os agentes da polícia secreta tornavam-se colaboradores como consequência de chantagens ou outros métodos usados pelos órgãos de repressão, ou seja, pelos oficiais da polícia secreta. Estes, aproveitando-se de seu poder praticamente ilimitado, obrigavam as pessoas a colaborar, quebrando a sua resistência. Simplesmente transformavam pessoas normais em trapos morais.  Nesse contexto, é possível aceitar o ponto de vista de que o agente foi a vítima de um torturador, logo, o oficial da policia secreta é mais merecedor de sofrer condenação do que o seu colaborador. Esse cenário era mais comum dentro das fronteiras Tchecoslováquia, ou seja, com a atuação do Departamento II – contra inteligência. Os funcionários da inteligência que trabalhavam no exterior, por outro lado, não tinham à sua disposição o aparelho de repressão através do qual seus colegas em Praga poderiam se utilizar para mais facilmente obrigar as suas “vítimas” a colaborar. O trabalho dos funcionários no exterior era bem mais complexo, por causa das condições existentes em dado país, onde executavam as suas tarefas operacionais. Em outras palavras, simplificando: era necessário persuadir cidadãos de um país para que ajudassem um outro país estrangeiro, socialista (que fazia parte do bloco comunista). Do ponto de vista legal, os oficiais e colaboradores da StB eram infratores da lei (principalmente da legislação sobre segurança nacional) e as pessoas que decidiram colaborar com o serviço de inteligência estrangeiro foram simplesmente traidores de seu próprio pais. Nós não somos juízes, somente descrevemos o conteúdo de pastas de um serviço de inteligência estrangeiro, ou seja, apresentamos aquilo que este serviço reuniu e escreveu sobre diferentes pessoas, acontecimentos e instituições. Sendo assim, descrevemos o ponto de vista do serviço de inteligência de um país comunista que operava no Brasil. Para que a descrição seja completa, dever-se-ia também citar os nomes de pessoas concretas; todas, sem exceção, que tenham cumprido seu papel nesta história. Mas, antes de que façamos isso, devem ser levadas em consideração algumas questões importantes:
1) no Brasil esse será um acontecimento inédito, pois (até onde sabemos) ninguém nunca revelou nenhuma lista ou nomes de agentes de um serviço de inteligência estrangeiro;
2) não pretendemos fazer o papel de juiz de ações de outras pessoas;
3) para que seja possível, de modo responsável, citar o nome de alguém num contexto como este, é necessário um formato mais extenso que possibilite a apresentação de toda a questão, para que o leitor possa sozinho criar uma opinião e avaliar o grau de colaboração e comprometimento de dada pessoa que tenha o seu nome revelado e para que, também, tenha a oportunidade de conhecer (como já dito) a versão da pessoa citada com o caso. Pelo menos daquelas pessoas que ainda estão vivas.
Os leitores estão cada vez mais nos perguntando sobre pessoas concretas que são encontradas na página de internet do ABS. A resposta à pergunta se alguém foi agente da StB, considerando tudo aquilo que aqui foi descrito, pode ser: sim, esta ou aquela pessoa foi registrada pelo serviço de inteligência tchecoslovaco como colaborador. Entretanto, nesta resposta temos somente a simples informação de que alguém registrou outro alguém. O que isso significa, que consequências isso teve, qual foi o grau de colaboração, etc. – tudo isso deve ser pesquisado e descrito largamente. É isso que estamos tentando fazer. Qualquer material histórico deve ser tratado com modéstia e criticidade. Devemos sempre levar em consideração que as histórias descritas nas pastas da StB são histórias de pessoas reais e essas nem sempre são um simples preto no branco.

Vladimír Petrilák